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Desafios econômicos de Biden: uma análise do cenário pós-eleições

Atualizado: 22 de jan. de 2021

Por Bruno Ramos, Mateus Soares e João Pedro Cunha


Joe Biden, em seu discurso de vitória no dia 7 de novembro, prometeu reconstruir a economia dos Estados Unidos. Mas como o democrata recém-eleito presidente fará isso? Quais serão suas prioridades econômicas nos próximos 4 anos frente às adversidades decorrentes da crise global de COVID-19?


Com a consolidação do resultado das eleições norte-americanas, emerge no país um cenário de manutenção do equilíbrio bipartidário: o Partido Democrata assumiu o controle da Câmara, ao passo que o Partido Republicano, por enquanto, permanece em maioria no Senado. O processo eleitoral, contudo, está longe de terminar: em janeiro de 2021, ocorrerá o 2° turno das eleições para senador no estado da Geórgia; em caso (ainda que improvável) de dupla vitória democrata, estes constituirão maioria, visto que a vice-presidente Kamala Harris tem voto de desempate.


O panorama político estadunidense para os próximos anos, ainda que bastante incerto, terá profundos impactos nas economias e mercados globais, e dependerá, em grande medida, da capacidade de Biden de superar desafios econômicos de um país fortemente afetado pela pandemia de COVID-19. Neste artigo, analisaremos como as propostas de Biden podem afetar a economia nos Estados Unidos, considerando o cenário mais provável de um Congresso dividido.


Em primeira instância, é necessário analisar o impacto da administração de Donald Trump e, mais recentemente, da crise do novo coronavírus. Nesse sentido, será possível entender quais serão os desafios econômicos de Joe Biden enquanto presidente dos Estados Unidos.


Ao analisarmos o governo de Trump, é notável um período de desenvolvimento econômico no país. O presidente republicano, através de políticas de diminuição dos impostos e estímulos à economia, foi responsável por – no mínimo – garantir a manutenção do crescimento econômico norte-americano. O crescimento anual médio do PIB durante o governo republicano foi de 2,5% excluindo o período de 2020, contra 2,3% nos três últimos anos do governo de Barack Obama.


Durante seus dois mandatos, o presidente Obama conseguiu reduzir a taxa de desemprego de 10% em outubro de 2009 para 4,7% em dezembro de 2016. Trump, por sua vez, mesmo com muitos especialistas declarando a economia em níveis de pleno emprego, conseguiu reduzir a taxa de desemprego para níveis inferiores, alcançando 3,5% antes da crise de 2020.


Com a redução da taxa de desemprego e o crescimento da economia norte-americana, houve um incremento na demanda por mão de obra por parte das firmas, acarretando um aumento médio dos salários. Como reflexo de tal fenômeno, a renda média real das famílias também se elevou durante o governo republicano, saltando de $62,898 em 2016 para $68,703 em 2019. Dessa forma, a taxa de americanos em condições de pobreza atingiu mínima histórica de 10,5% antes da crise de 2020.



Fonte: US Census Bureau


O mercado acionário, como reflexo das expectativas dos agentes econômicos, teve bom desempenho durante o governo Trump - embora inferior em termos de crescimento percentual ao comparar com o primeiro mandato de Obama. No início de 2020, tanto o Dow Jones quanto o S&P 500 alcançaram máxima histórica, com uma valorização de mais de 45% desde 2017.


Pode-se dizer que esse crescimento foi resultado do otimismo dos investidores acerca das políticas econômicas adotadas durante o governo de Donald Trump. A diminuição da taxa de desemprego e o aumento da renda real média familiar, por exemplo, influenciaram no aumento da confiança do consumidor, atingindo níveis no início de 2020 não vistos desde 1997. Vale ressaltar que o índice de confiança do consumidor é acompanhado cautelosamente pelos agentes econômicos nos Estados Unidos, uma vez que é capaz de traduzir o poder de compra da sociedade.


Todavia, o bom desempenho econômico de Trump explicitado acima foi profundamente afetado pelo surgimento da pandemia de COVID-19, que desencadeou o fechamento das atividades econômicas na maior parte do mundo, visando frear a rápida disseminação do vírus. Fatores como a gestão epidemiológica fragmentada por estado, o fechamento tardio de fronteiras (estima-se que 430 mil pessoas viajaram da China para os Estados Unidos entre dezembro de 2019 e abril de 2020) e a baixa adesão popular às medidas de lockdown e ao uso de máscara fizeram dos Estados Unidos um dos epicentros da doença.


O alarmante cenário foi agravado pela disputa comercial entre Rússia e Arábia Saudita, que desencadeou um aumento significativo na produção de petróleo e subsequente redução do preço. O panorama de incerteza, impulsionado pela rápida progressão da epidemia no país, em meio a desentendimentos entre Trump e órgãos epidemiológicos nacionais e internacionais em relação à administração da crise, culminou na maior queda do sistema financeiro norte-americano desde 1929: no dia 9 de março, o preço do petróleo registrou queda de 22% - a maior desde a Guerra do Golfo - e o Dow Jones caiu 12%, ativando o circuit breaker. O S&P 500 caiu 34% somente em março, ocorrendo 4 circuit breakers neste mês.


Os efeitos da pandemia foram devastadores não só para o mercado, mas para a economia como um todo. Desde o início de 2020, houve mais de 11 milhões de casos e 250 mil mortes no país, e 43 dos 50 estados decretaram quarentena ao longo desses quase 11 meses. O choque de demanda resultante do lockdown, do fechamento de empresas e do desemprego encerrou o mais longo período de crescimento econômico da história dos Estados Unidos, desde junho de 2009 até fevereiro de 2020. Segundo o Escritório de Análise Econômica (BEA), o PIB real do país apresentou um crescimento anualizado de -31,4% no 2° trimestre, o pior resultado já registrado. Estima-se que mais de 100 mil empresas norte-americanas fecharam permanentemente devido à pandemia, acarretando um expressivo aumento do índice de desemprego no país, o qual atingiu máxima histórica em abril (14,7%). O consumo das famílias também apresentou queda brusca de 8,7% no mês de março, a maior em registro.



Fonte: US Census Bureau


Em resposta à recessão desencadeada pela pandemia, foi aprovado um pacote de estímulos de US$2,2 trilhões, distribuídos entre a população de baixa renda, grandes corporações, empréstimos para pequenos e médios empreendimentos, e governos estaduais e municipais. A medida, combinada com a subsequente reabertura das atividades devido à diminuição do número de casos, aumentou o otimismo dos investidores e iniciou o processo de recuperação econômica dos Estados Unidos. O PIB real apresentou crescimento anualizado de 33,1% no 3° semestre, porém o FMI ainda projeta uma retração total do PIB de 4,3% em 2020. No mês de outubro, o índice de desemprego chegou a 6,9% e a inflação, que chegou ao patamar de 0,1% em maio, foi para 1,2%. O consumo das famílias e as vendas do setor varejista norte-americano superaram os níveis anteriores à crise, numa recuperação sem precedentes, vide gráfico abaixo.



Fonte: US Census Bureau


O novo presidente americano enfrentará, portanto, diversos desafios a fim de retomar o crescimento estadunidense no pós-crise. Apesar de uma recuperação significativa desde as quedas de março e grandes avanços nas pesquisas de uma vacina, uma segunda onda de coronavírus mostra-se cada vez mais provável, uma vez que a distribuição do medicamento será gradual, enquanto novos casos ganham força pelo país.


Visto isso, a mudança na presidência também significará uma enorme modificação na abordagem da pandemia. Defendendo as recomendações médicas e implorando pela utilização de máscaras, Biden elaborou um plano de ação que promete alterar as diretrizes das políticas de combate vigentes, organizando uma força-tarefa composta por 12 cientistas e especialistas que trabalharão para frear a contaminação pelo país. Para isso, Biden promete investir US$25 bilhões a mais para fabricar e distribuir vacinas para todos nos Estados Unidos gratuitamente, além de dobrar os locais de teste drive-through a fim de ampliar o volume de testagens e rastreamento. Ademais, o novo presidente pretende reverter a decisão de Trump da retirada dos EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS), que, por enquanto, será efetivada em julho de 2021.


Outro ponto importante para o estudo está relacionado ao desemprego em massa resultante da pandemia. O Plano de Ação Emergencial de Biden para Salvar a Economia, publicado durante a campanha, promete estimular a divisão do trabalho para evitar demissões e, ao mesmo tempo, aumentar os benefícios aos desocupados. Além disso, também prevê pagamentos de estímulo adicionais semelhantes aos US$1200 pagos a 160 milhões de americanos no início deste ano, enquanto aumenta as concessões e empréstimos direcionados a pequenas empresas.


Por consequência, a mudança de postura no combate ao coronavírus também resultará em um aumento do déficit primário estadunidense. No gráfico abaixo, é possível observar numericamente os efeitos dessas ações para os cofres públicos.



Fonte: Committee for a Responsible Federal Budget

Além disso, a elevação de gastos públicos não será vista apenas para mitigar os impactos econômicos da crise sanitária - o novo presidente anunciou um plano de recuperação de US$7,3 trilhões para os próximos 10 anos, o Build Back Better, que objetiva, principalmente, modernizar a infraestrutura do país e estimular as energias limpas, além de aumentar os gastos com educação, saúde e seguridade social. No longo prazo, tais investimentos significariam uma força de trabalho mais produtiva e uma economia mais competitiva.


Entretanto, para sustentar seu plano econômico, o ex-vice-presidente propôs um incremento substancial dos impostos pelo país, no qual pretende arrecadar cerca de US$4,1 trilhões adicionais para a próxima década. Tais aumentos serão direcionados, em grande parte, às grandes empresas e à população rica. Para isso, Biden planeja elevar a alíquota de imposto corporativo de 21% para 28% - desfazendo-se das reduções realizadas no governo Trump. Além disso, propõe um imposto mínimo de 15% sobre o lucro contábil das empresas, uma ampliação das tarifas sobre os lucros obtidos por subsidiárias estrangeiras de empresas americanas e sanções econômicas para companhias de energia não-renovável.


As intenções do democrata certamente causarão grandes impactos nos movimentos do mercado financeiro. Primeiramente, destaca-se um estímulo à valorização de empresas ESG (temática de um artigo anteriormente publicado pela Liga) materializado por gastos de mais de US$2 trilhões por parte do governo para os próximos 4 anos. O combate ao aquecimento global, tema central de sua campanha, influenciará grandes empresas a mudarem suas relações com o meio ambiente, uma vez que essas adaptações serão cobradas, cada vez mais, pelos investidores.


Em segundo lugar, as big techs também poderão ser fortemente impactadas pela eleição de Biden: o novo presidente defendeu em entrevista a revogação da Seção 230, a seção da Lei de Decência nas Comunicações que protege as empresas de internet da responsabilidade pelo conteúdo oferecido. Além disso, os processos antitruste contra tais companhias, como a ação lançada contra o Google, possivelmente se estenderão pelo mandato: as FAANGs, grupo que engloba as 5 principais corporações de tecnologia dos EUA, vêm sendo acusadas de práticas monopolistas.


A partir das propostas e possíveis medidas realizadas no novo governo, alguns setores devem ser mais afetados que outros. Para fins ilustrativos, é possível observar no gráfico abaixo como seria o desempenho de um portfólio composto por empresas que seriam beneficiadas pela implementação das propostas do candidato democrata versus empresas que devem ser prejudicadas caso essas medidas sejam concretizadas. Vale ressaltar, contudo, que em um cenário de Congresso misto, o “portfólio do governo” seria uma mistura de ambos.



Fonte: Bloomberg, Barclays Research e JP Morgan


Em relação às grandes fortunas, indivíduos que ganham US$400 mil ou mais (anualmente) pagariam impostos adicionais sobre a folha de pagamento. Para tornar semelhante o tratamento tributário dos assalariados e dos investidores ricos, os contribuintes cujas rendas excedam US$1 milhão pagariam a mesma taxa sobre a renda do investimento aplicada aos salários. Além disso, a “brecha” de juros transportados, reivindicada por muitos gestores de private equity e hedge funds, seria eliminada. Esses administradores de fundos pagam imposto sobre ganhos de capital - atualmente em 20% - em vez das taxas de renda ordinária sobre seus “juros contabilizados”, ou seja, altas participações de taxa fixa nos lucros de seus fundos, enquanto fazem pouco ou nenhum investimento de capital.

A tabela abaixo demonstra, em detalhe, os gastos governamentais, as receitas que seriam geradas pela política de impostos do democrata e o balanço orçamentário destas ações:



Fonte: Moodys Analytics


É possível observar, a partir dos dados acima, que as medidas econômicas em questão aumentariam o déficit orçamentário norte-americano. Considerando também as ações de combate ao coronavírus, um cenário com a aprovação desses planos, mesmo que não em sua totalidade, provocaria um aumento expressivo da relação dívida/PIB estadunidense. O gráfico abaixo evidencia as possibilidades da dívida pública em meio aos diferentes resultados eleitorais, demonstrando que poderia chegar a níveis de até 138% em 2030.



Fonte: Committee for a Responsible Federal Budget


É imperativo mencionar que tais propostas não necessariamente serão colocadas em prática - as políticas econômicas devem ser aprovadas no Senado e na Câmara dos Representantes. Dessa forma, como tudo indica um Congresso dividido, Joe Biden encontrará forte resistência legislativa para a aprovação integral de suas medidas. De acordo com analistas, uma reforma fiscal completa é improvável mesmo em um cenário de dupla vitória democrata na disputa pelo Senado na Geórgia, porém há certo grau de concordância entre democratas e republicanos em questões como o aumento do imposto corporativo e o fomento à infraestrutura interna, indicando a possibilidade de conciliação entre os partidos. Além disso, o orçamento final de novos pacotes fiscais também será objeto de discussão, tendo como maior probabilidade a aprovação de estímulos mais moderados, uma vez que as propostas democratas provocariam um aumento exacerbado da já elevada dívida pública.


As tentativas de articulação no Congresso por parte do novo presidente já começaram de forma positiva: Biden anunciou a nomeação da experiente economista Janet Yellen para o cargo de líder do Tesouro. A ex-chefe do Federal Reserve será, mais do que apenas no aspecto econômico, uma importante conciliadora de interesses políticos, uma vez que é favorável a algumas medidas propostas por diferentes alas de ambos os partidos.


Vale ressaltar que, a curto prazo, os agentes econômicos reagiram positivamente à vitória do candidato democrata e ao balanço bipartidário no legislativo. Impulsionados também pelas previsões de uma política externa mais diplomática de Biden, que é vista como favorável para a redução dos impactos da guerra comercial com a China, o S&P 500 e o Dow Jones subiram, respectivamente, 6,2% e 7,7% nos 20 dias que sucederam o dia de eleições. Esse cenário mais otimista deve ser mantido conforme novas injeções de liquidez forem feitas pelo FED, com a expectativa de uma retomada econômica.


Em suma, Joe Biden encontrará diversos desafios para superar os impactos da crise do coronavírus e retomar o ritmo de crescimento econômico para os níveis pré-pandemia. O recém-eleito presidente tentará entregar tal crescimento por meio do aumento dos gastos públicos, mesmo com as já mencionadas dificuldades que encontrará no Congresso, representando uma mudança clara de postura econômica em relação a Donald Trump. Resta saber se tais medidas serão eficientes e como será a reação da economia real e do mercado acionário.

Fontes:


JP Morgan's Eye On The Market Analysis, 9/11/2020


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