André Guedes | 19/04/2018
Em entrevista recente ao site inc.com, o visionário empreendedor sul-africano Elon Musk, foi questionado quanto aos setores que causariam, em sua visão, um impacto significativo em nossas vidas no futuro. Sem muito pensar, o CEO da Tesla e da Space X destacou quatro grandes nomes: o setor aeroespacial, o da inteligência artificial, o genético e o da energia sustentável. De fato, ao se deparar com um sistema de consumo e de produção global fortemente sustentado em fontes energéticas fósseis altamente poluentes, é minimamente intuitivo compreender a opinião de Musk. Hoje, conforme dados do último relatório anual da IEA (International Energy Agency), 81,4% da matriz energética mundial é de caráter não-renovável (petróleo, gás natural e carvão). Desse total, é importante destacar uma impressionante estatística: 24,4% de todo o consumo de energia elétrica é demandado por consumidores e indústrias chinesas.
A partir de 1976, com a morte do líder supremo Mao Tse-Tung e a conquista do poder político por Deng Xiaoping, iniciou-se um processo de abertura econômica em território chinês. Passou-se a adotar o chamado "socialismo de mercado" em substituição a uma economia totalmente planificada, típica de regimes de extrema-esquerda. Por certo, tal movimento, ao menos em seu estágio inicial, teve caráter extremamente gradual e experimental, todavia, a partir da década de 1990, uma nova fase de reformas econômicas foi estabelecida. Com elas, a entrada de empresas transnacionais, interessadas nas vantagens produtivas que o país oferecia, além da própria expansão de empresas chinesas, fortemente apoiadas pelo governo local, cresceu de forma exponencial. A adição desses fenômenos, que também ajuda a explicar o crescimento galopante do PIB chinês nas últimas três décadas, promoveu um boom espetacular na renda das famílias do país asiático, apesar de ainda apresentar um cenário de imperativa desigualdade econômica. Um dado que ajuda a ilustrar esse crescimento acentuado é a variação do salário mínimo chinês, que saiu de 24.900 iuanes (3.600 dólares) em 2007 para um patamar de 67.500 (quase 10.000 dólares) em 2017. Tudo isso poderia ter apenas um impacto de caráter nacional, todavia, quando se constata que a China possui uma população de quase um bilhão e meio de habitantes, as implicações são globais. A expansão da classe média, que hoje já ultrapassa os 120 milhões de habitantes, com dinheiro no bolso e extremamente disposta a elevar o seu padrão de vida promoveu um deslocamento brutal da curva de demanda para direita, isto é, houve um aumento significativo da procura por bens e serviços em geral. Dentre eles, logicamente, está a energia elétrica, o que ajuda a explicar o fato da China ser o país mais demandante por esse tipo de insumo no mundo.
Fortemente pressionada pelo comunidade internacional, cada vez mais preocupada com as mudanças climáticas impulsionadas pela emissão de gases poluentes na atmosfera, e imbuída da intenção crescente de promover uma revolução ecológica no país, a China tem aumentado de forma colossal os investimentos em energias limpas. No último ano, o investimento global em energias renováveis foi de US$ 280 bilhões e desse montante expressivo 45% teve origem chinesa: uma clara tentativa da potência de deixar de ser vista como a maior poluidora do mundo. Mais de dois terços desse total de US$ 127 bilhões investidos pela China foram destinados a 53 gigawatts de energia solar, capacidade suficientemente grande para abastecer mais de 38 milhões de residências.
Alguns motivos se combinam no sentido de explicar o fato de que as energias renováveis responderam, em 2017, a uma fatia recorde de 61% de toda a capacidade de geração de energia líquida adiconada ao mundo. Dentre eles destacam-se: a evolução dos estudos que comprovam a associação das emissões de grandes quantidades de carbono com as mudanças climáticas e os consequentes desastres naturais; uma diminuição expressiva dos custos da energia solar e eólica nos últimos anos, diminuindo, à passos largos, o antes titânico gap de custos em relação às energias de caráter fóssil; além da própria difusão da noção, muito a partir do documento "O movimento irreversível da energia limpa" escrito por Barack Obama, de que crescimento econômico e investimento em métodos alternativos de energia não são inimigos, mas podem desenvolver-se em concomitância, como apontado pelo dado que indica que as emissões de CO2 do setor de energia caíram 9,5% de 2008 a 2015, nos Estados Unidos, enquanto a economia cresceu 10% no mesmo período.
Diante de todo esse fenômeno atual e do protagonismo que a China teve no mesmo, vale destacar a atuação das empresas de energias renovéveis desse país nos últimos anos. Além de realizar pesados investimentos em território nacional, é notável o empenho das mesmas em assumir função de liderança e coordenação de todo o movimento no mundo. Utilizando de economias de escala e do desenvolvimento de cadeias de fornecimento mais avançadas, as empresas chinesas do ramo são capazes de oferecer custos de operação 20% menores do que as concorrentes, inclusive as estadunidenses. Um exemplo tangível disso foi o recente aporte de US$ 2,4 milhões que a companhia chinesa State Grid Corporation realizou na cidade do Rio de Janeiro. Por certo, isso possui reflexo no mercado financeiro: as ações da China Power New Energy Development, uma empresa chinesa do setor fundada em 2006, negociadas, na Bolsa de Hong Kong em 15/12/2014, por US$ 0,48 hoje possuem preço nominal de US$ 4,66, um salto astronômico de mais de 1000%.
Por fim, cabe a todos apenas reconhecer que Elon Musk, por mais uma vez, tem tudo para estar correto: energia renovável é o setor do futuro.
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