Matheus Salim | 19/05/2018
Diariamente nos deparamos com situações que, por mais simples que sejam, demandam que tomemos alguma decisão. Esse processo ocorre quase que instantaneamente em casos mais simples, como decidir colocar primeiro a meia no pé direito ou no esquerdo, porém pode demandar mais tempo e energia em casos mais complexos, como decidir qual faculdade cursar. Dito isso, na realidade do Mercado Financeiro essas tomadas de decisão possuem um papel ainda mais fundamental, pois efetivamente definirão quem ganha e quem perde dinheiro.
Dessa forma, quando se olha para o comportamento do Mercado, devemos ter em mente que ele representa uma “decisão coletiva”, resultante da conjugação de várias “decisões individuais”, isto é, quando os investidores e players do Mercado estão recebendo e analisando informações, a fim de tomarem as melhores decisões possíveis. Ao mesmo tempo, eles estão tentando antecipar as decisões dos demais agentes que, no conjunto, moldarão o comportamento do Mercado em um momento futuro. Portanto, quem tomar a decisão mais rápida e assertiva, ou seja, a decisão mais eficiente, será capaz de lucrar mais com o movimento do Mercado.
Justamente pautado nesse raciocínio que se baseia a Hipótese de Mercados Eficientes que, por sua vez, serve de embasamento para as teorias econômico-financeiras mais aceitas atualmente, como a Teoria Moderna das Finanças. A partir dessa teoria surgem modelos microeconômicos que se respaldam, principalmente, nos seguintes pressupostos:
os agentes econômicos, também chamados de homo economicus, agem com uma racionalidade pura;
eles têm aversão ao risco;
tomam decisões seguindo a Teoria da Utilidade Esperada, isto é, os indivíduos vão tomar decisões buscando maximizar as utilidades deles;
Suas expectativas do futuro são não-viesadas, isto é, não são “tendenciosas”;
Os agentes são plenamente capazes de processar as informações que recebem e aprender com erros;
Os fatores emocionais são desconsiderados, os erros são aleatórios e os agentes que agirem de forma irracional serão corrigidos pelos racionais num processo de ajuste de preço do Mercado;
Apesar dessa concepção ter se mostrado útil em generalizar e matematizar modelos, mostra inconsistências quando é confrontada com experimentos que testam como as pessoas de fato tomam suas decisões.
Diante disso, surgiu uma nova concepção, chamada de “Finanças Comportamentais” (Behavioral Finance), defendida pioneiramente nos trabalhos de Daniel Kahneman e Amos Tversky (ambos psicólogos) na década de 70, tendo Kahneman recebido o Prêmio Nobel de Economia em 2002 por tais trabalhos. Junto a essa nova concepção, eles desenvolveram a Teoria do Prospecto (ou da Perspectiva), que busca quebrar os paradigmas da racionalidade pura e de mercado eficiente, mostrando como nossas formas de pensar muitas vezes são construídas a partir de vieses (quase como tendências inconscientes e suposições não-racionais), que acabam nos levando a erros cognitivos sistemáticos, e não aleatórios, como supõe a Teoria Moderna das Finanças.
A Teoria do Prospecto, que foi aperfeiçoada na década de 90 e passou a ser chamada de Teoria da Perspectiva Acumulada, vem para explicar anomalias do Mercado que não eram alcançadas pelas teorias anteriores e, para isso, toma como ponto de partida a desconstrução de alguns pressupostos sobre o agente econômico anterior:
Racionalidade limitada;
Incapacidade de processar todas as informações em probabilidades sobre risco e retorno;
Faz análises sob diferentes vieses;
Toma decisões influenciado por emoções e erros cognitivos;
No decorrer do tempo, diversos estudos foram sendo produzidos corroborando essa linha de raciocínio como, por exemplo, com Roger Sperry, que recebeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1981 por um trabalho que mostrava como os dois lados do cérebro tem papéis e modos de funcionamento diferentes entre si. De modo genérico, o lado esquerdo seria o mais apto a processos racionais e lógicos, enquanto o lado direito é mais emocional e “criativo”. No entanto, no processo de decisão nós usamos os dois lados, e por isso, nem sempre poderíamos garantir que uma decisão seria puramente racional ou emocional.
Mas na prática qual seriam os resultados? Em alguns estudos empíricos, Kahneman e Tversky chegaram a conclusões intrigantes sobre como era o comportamento das pessoas durante suas decisões. Por exemplo, classicamente entende-se que existe uma aversão do investidor ao risco, a qual é mitigada racionalmente quando o agente avalia a capacidade desse risco de alterar o seu patrimônio negativamente. Tendo em vista isso, foi realizado um experimento dando a seguinte situação às pessoas da amostragem:
“Além de tudo o que possui, você recebeu $ 1 mil. Você deve, então, escolher entre:
a) um ganho certo de $ 500;
b) uma chance de 50% de ganhar mais $ 1 mil e 50% de chance de não ganhar nada.
A outro grupo foi apresentado outro problema:
Além de tudo o que possui, você recebeu $ 2 mil. Você deve, então, escolher entre:
a) uma perda certa de $ 500;
b) uma chance de 50% de perder $ 1 mil e 50% de chance de não perder nada.”
Perante a essas perguntas, poderíamos presumir que se as pessoas fossem avessas ao risco deveriam escolher a opção “a” em ambas as situações. De fato, para a primeira pergunta 84% responderam “a”, correspondendo à hipótese. Entretanto, na segunda pergunta, 69% responderam “b”, o que indica, na verdade, uma aversão à PERDA maior do que a aversão ao risco, isto é, as pessoas tinham tanto medo de perder que preferiam arriscar a aceitar a possibilidade de perda certa. Desta forma, já vemos um viés formado, no qual a dor de perder é muito maior do que o prazer de ganhar e, por isso, a valoração de riscos iguais foi realizada de forma diferente na decisão final.
Além disso, existem outros vieses que afetam as decisões e podemos citar alguns deles:
Autoconfiança excessiva: diversas pesquisas revelam como a imensa maioria das pessoas acredita estar acima da média em suas habilidades e capacidades. Algumas delas indicam que mais de 80% das pessoas quando questionadas sobre como dirigem acreditam estar acima da média. Esse é um dos vieses utilizados pelos autores para explicar a formação de bolhas sobre o preço de alguns ativos, já que diferentes informações geram entendimentos e expectativas heterogêneas;
Status quo: devido à aversão à perda ou arrependimento, muitas vezes os indivíduos tendem a manter suas decisões anteriores. Há diversos elementos cotidianos que apontam para isso, como reeleições, ir aos mesmos restaurantes, consumir os mesmos produtos, usar as mesmas marcas, etc.
Custos afundados: depois de passado certo nível de perda, as pessoas passam a perder a percepção da própria depreciação, aceitando resultados muito abaixo do esperado, a exemplo de quando uma pessoa decide continuar tomando a mesma decisão que não vem gerando resultados.
Sob outro ponto de vista, apesar desses vieses serem negligenciados pelos investidores e pela maioria das pessoas, muitas empresas, em suas estratégias de vendas, aproveitam-se estrategicamente dessas “armadilhas mentais” que possuímos. Podemos citar de exemplo o caso da revista inglesa “The Economist”, que ofereceu as seguintes opções de assinatura mensal aos seus leitores:
A. Assinatura online: $69
B. Assinatura impressa: $125
C. Assinatura online e a impressa: $125
Essas mesmas opções foram usadas em um estudo com uma amostragem de 100 alunos do MIT (Massachusetts Institute of Technology). Os resultados foram: 16 optaram por (A), 84 pela (C) e ninguém pela opção (B), obviamente a mais desvantajosa. Então surge o questionamento: qual seria a razão de colocar uma opção que ninguém “logicamente” escolheria? Se ela é uma opção supostamente inútil, se a retirarmos poderíamos presumir que as decisões se manteriam.
Entretanto, não foi isso o que ocorreu, ao se repetir o experimento, mas sem a opção (B), os resultados foram: 68 alunos escolherem a opção (A) e 32 a opção (C). Ficou evidente a mudança drástica gerada na tomada de decisão dos agentes, pois, ao retirar uma opção supostamente irracional, muitos deles mudaram seus parâmetros de valoração do produto.
Nesse momento, deixando de lado todas as controvérsias e polêmicas que ainda são discutidas entre as teorias que citamos aqui e que ainda devem continuar acontecendo por algum tempo, deve ter ficado evidente a relevância de ter consciência do seu próprio processo decisório, dos seus pontos fortes e fracos e de como isso se acentua ainda mais quando somos investidores dispostos a ter o melhor desempenho possível em nossas operações. Sendo assim, podemos finalizar esse estudo fazendo referência a uma frase de Albert Einstein que pode nos ensinar bastante sobre como aplicar isso nas nossas decisões: “O primeiro dever da inteligência é desconfiar dela mesma”.
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