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Fundos Quantitativos: o futuro do mercado?

Atualizado: 22 de jan. de 2021

Autores: João Pedro Cunha & Vinícius Abreu | 25/08/20

“Nenhum homem é melhor do que uma máquina e nenhuma máquina é melhor do que um homem com uma máquina.”

– Paul Tudor Jones


Atualmente, é impossível conceber o mercado financeiro sem tecnologia. Desde os primeiros computadores e redes virtuais de informações, os profissionais do ramo têm se beneficiado enormemente, empregando cada vez mais avanços tecnológicos para auxiliar a tomada de decisão nos investimentos. No contexto da 4a Revolução Industrial, em meio a uma rápida sucessão de invenções revolucionárias como a Inteligência Artificial e o Machine Learning, o modo de administrar ativos se reinventa, e nada evidencia mais isso que a ascensão dos fundos quantitativos.

Nos últimos anos, especialmente durante períodos de alta volatilidade dos mercados - como a Crise Financeira de 2008 e a Crise da COVID-19 em 2020 - ficou ainda mais evidente a crescente relevância de métodos quantitativos na análise de ativos. Além disso, num mundo cada vez mais interconectado e competitivo, cuja disponibilidade e volume de dados é cada vez maior, se torna extremamente necessário o desenvolvimento de ferramentas e estratégias que otimizem a capacidade analítica (e naturalmente limitada) dos seres humanos, em busca de ganhos financeiros maiores. Adiante, entenderemos como esse contexto propicia a aplicação de técnicas quantitativas, quais as maiores vantagens e desvantagens frente a filosofias tradicionais - e como as duas podem ser combinadas -, além de abordar as suas perspectivas para o futuro.

A metodologia quantitativa para finanças surgiu em 1900, em uma tese de doutorado intitulada “Théorie de la Spéculation”, de Louis Bachelier, e inicialmente era empregada para negociação de opções. O modelo previa o uso de ferramentas estatísticas e do histórico da variação de preços para gestão de ativos, sem realizar análise fundamentalista, como era de praxe na época. Em pouco tempo, várias instituições financeiras passaram a empregar essas técnicas, mas os primeiros fundos 100% quantitativos surgiram somente a partir da segunda metade do século XX.

Basicamente, os fundos quantitativos são fundos de investimento que operam com bases em métodos numéricos, algoritmos e processos computacionais, ao contrário da gestão humana por parte dos fundos tradicionais. Isso significa que a compra e venda de ativos é realizada de acordo com os modelos desenvolvidos por gestores e programadores, um processo totalmente automatizado. Ou seja, enquanto em gestoras convencionais as decisões sobre posições, momentos de entrada, saída e tamanhos das alocações são definidas pelo gestor, num fundo quantitativo esse processo fica à cargo do algoritmo empregado. Além dessa implementação sistemática, existe uma etapa imprescindível para a caracterização desse tipo de fundo: o backtest, um processo de avaliar a estratégia, aplicando-a no passado, no intuito de verificar sua efetividade e identificar possíveis falhas e melhorias.

Quando comparados com os fundos tradicionais, os quantitativos apresentam uma série de diferenças práticas do ponto de vista do investidor. Destas, algumas representam vantagens significativas. Em primeiro lugar, a não-necessidade de uma intervenção humana direta nas decisões de investimentos suprime o viés comportamental do gestor, característica inerente do ser humano e, assim, impossível de ser desconsiderada de qualquer outra forma. Dados históricos demonstram que fundos quantitativos tendem a performar melhor em épocas de crise - justamente quando esse viés se torna mais evidente.

De fato, durante o desenvolvimento dos algoritmos que regem as tomadas de decisão, são testadas os seus comportamentos durante os famosos “Cisnes Negros” (conceito cunhado pelo matemático Nassim Taleb para descrever eventos raros de difícil - ou até impossível - previsão, cujos efeitos podem ser traumáticos). Dessa forma, por mais que seja extremamente improvável prever esses acontecimentos, é possível ter uma previsão razoável de como o algoritmo atuaria nessas situações, refletindo, em última instância, no desempenho do fundo. Por outro lado, é impossível tentar predizer como seria o comportamento de um gestor nesses momentos, por mais que se analise o seu comportamento em épocas passadas. Ainda mais: o grau de previsibilidade do comportamento humano diminui conforme o stress e a incerteza da situação aumentam. Assim, não seria incoerente concluir que, quanto “pior” seja a circunstância, mais os fundos quantitativos tendem a performar melhor quando comparados com os fundos convencionais.

Ainda nesse sentido, um outro fator que colabora para essa performance superior nesses períodos ocorre devido a uma característica particular: muitas estratégias quantitativas aproveitam as oscilações mais voláteis dos mercados para maximizar seus ganhos. Ou seja, ao contrário dos fundos discricionários - que normalmente ficam sujeitos a perdas significativas quando os ativos despencam -, os “quants” não só evitam a queda, como também podem lucrar com elas. O gráfico abaixo destaca o desempenho superior dos fundos quantitativos brasileiros no final do ano passado e início deste, quando o Ibovespa começou a sentir os efeitos da Crise do novo coronavírus. A título de comparação, o IHFA, índice de referência de hedge funds da ANBIMA, subiu 7,09% no período.


A partir desses pontos, uma terceira vantagem dos fundos quantitativos se torna evidente: a sua alta descorrelação com índices e até com outros fundos do mesmo tipo. Citando o criador da teoria moderna de portfólios, Harry Markowitz: “Tratando de finanças, diversificação é o único almoço grátis”. De fato, como sua teoria demonstra, ter dois ativos de riscos distintos numa mesma carteira pode tornar o risco final (conjunto) menor do que o mínimo entre esses dois, quando olhados individualmente.

Numa gestora tradicional, a equipe de analistas normalmente foca num tipo de ativo ou num mercado específico: as empresas do Brasil (metodologia fundamentalista), ou a análise de flutuações de câmbio ou preços de commodities (abordagem macroeconômica); assim, o gestor faz um número menor de investimentos - como menos “apostas”, porém com mais convicção em cada uma delas. Por outro lado, os métodos numéricos e processos computacionais, capazes de assimilar um enorme volume de informações ao mesmo tempo (em todas as partes do mundo), permitem aos algoritmos investir em diferentes tipos de ativos em qualquer mercado do planeta. É possível, portanto, que a estratégia adotada opte por comprar iene japonês, vender cobre e investir numa empresa alemã, por exemplo - ativos altamente descorrelacionados.

Na prática, quando se compara diversos fundos discricionários num mesmo mercado, observa-se que eles são não somente correlacionados com os índices daquela Bolsa, como também entre si. Isso pode gerar a falsa ideia de que investir em fundos diferentes pode ser uma forma de diversificação e, por consequência, de diminuir o risco. Na verdade, o cotista pode estar investindo nos mesmos ativos através de fundos diferentes. Por outro lado, devido à forma como são tomadas as decisões e a distinta possibilidade de alocação em produtos totalmente diferentes, os fundos quantitativos não possuem correlação com os índices e, mais do que isso, chegam a ser descorrelacionados até entre eles próprios! Podemos enxergar isso na tabela a seguir, que mostra as correlações entre vários dos principais fundos de investimentos brasileiros. Os dois únicos quantitativos - Visia Zarathustra (Giants Steps Capital) e Murano (Murano Investimentos) - são os mais descorrelacionados, seja entre si ou entre os demais fundos.

Fonte: Giant Steps Capital

Isso pode ser exemplificado também com o caso de sucesso da Bridgewater Associates, gestora parcialmente quantitativa fundada pelo estadunidense Ray Dalio em 1975. Em seu livro Princípios, Dalio explica que grande parte do sucesso do fundo é fruto da organização sistemática de princípios financeiros e de investimento na forma de algoritmos, de modo a aliar a metodologia quantitativa à análise fundamentalista tradicional. Ademais, Dalio baseou sua estratégia na premissa batizada por ele de “O Santo Graal do Investimento”, que mostra como a descorrelação diminui o risco conjunto da carteira, porém mantendo o mesmo retorno esperado a longo prazo. Para a implementação deste, Dalio realizou o backtest de uma carteira com cerca de mil fluxos de rendimento - câmbio, títulos, commodities e diversos outros ativos -, obtendo resultados extraordinários. A diversificação sistemática de ativos globais realizada na Bridgewater demanda um enorme e contínuo fluxo de informações, fazendo-se praticamente impossível sem a utilização de métodos quantitativos.

Fonte: Principios (Ray Dalio)

Em decorrência de todas essas vantagens, alguns fundos quantitativos reportaram consistentemente ganhos mais expressivos que fundos tradicionais, sobretudo em períodos de alta volatilidade. A Bridgewater, por exemplo, apresentou um rendimento de 14% em 2008, frente a -38% do S&P 500, e um aumento de 263% de ativos sob gestão desde o início do século XXI. Além disso, o Medallion Fund, considerado o melhor fundo de investimento do mundo, é 100% quantitativo. Formado majoritariamente por astrofísicos, matemáticos e cientistas da computação, a empresa apresentou rendimento anual médio de 40% (já descontadas as enormes taxas: 5% de administração e 44% de performance - excessivamente acima da média; bruto, o rendimento chega a 66%) desde 1988, aproximadamente 2,4 vezes o desempenho de Warren Buffett. O fundador e responsável por essa façanha inacreditável é o matemático estadunidense Jim Simons, o maior nome das finanças quantitativas. O Medallion é um fundo fechado - infelizmente -, possuindo atualmente cerca de US$ 9 bilhões pertencentes a funcionários da empresa, convidados e o próprio Simons.

O crescimento do segmento de fundos quantitativos foi notável: em 2005, 4 dos 5 maiores hedge funds do mundo eram tradicionais, com exceção do Bridgewater, vide gráfico abaixo. Em 2018, a proporção se inverteu: das tradicionais, somente JP Morgan figura no ranking, e embora seja uma gestora macro, já baseia parte de seus investimentos em algoritmos. Nos Estados Unidos, os fundos quantitativos já representam 31% do total de ativos sob gestão no país, o que equivale a aproximadamente US$ 4 trilhões. No Brasil, todavia, a parcela ainda é insignificante (0,04%), porém cresce aceleradamente, 4 vezes mais rápido que a média da indústria, de acordo com estudos da ANBIMA e CVM.

Fonte: Giant Steps Capital

Entretanto, a metodologia quantitativa apresenta algumas desvantagens práticas. É comum que o algoritmo empregado, cujos resultados sejam muito expressivos, não consiga manter o mesmo nível de performance à medida que o volume negociado pela gestora aumente significativamente. Assim, ele esbarra num problema de liquidez: a estratégia que antes dava muito certo, agora é impossível de ser colocada em prática, pois o mercado não mais suporta que tal volume continue sendo negociado como antes - principalmente para estratégias que investem em produtos mais específicos, como small caps ou certas opções.

Além deste, um outro obstáculo comum é quando o algoritmo atinge sua “meia- vida”: certas estratégias aproveitam ineficiências do mercado para gerar lucro. Com o passar do tempo, a lacuna que estava sendo explorada começa a se fechar, à medida que os outros agentes também a aproveitam. Assim, quando mais eficiente for o mercado, mais rápido isso pode acontecer. Em ambos os casos - tanto no problema de liquidez quanto no de meia-vida - o algoritmo precisa ser descartado ou modificado.

A principal desvantagem da abordagem quantitativa, no entanto, é outra: máquinas não possuem a capacidade analítica e o pensamento crítico característicos da racionalidade humana. Em outras palavras, o computador não pensa, somente executa algoritmos criados por seres pensantes. O mercado financeiro e, em última instância, o mundo atual estão cada vez mais dinâmicos e imprevisíveis, prejudicando o funcionamento sistemático dos fundos quantitativos. Uma possível solução para esse problema reside na ciência de dados.

Como disse o matemático Clive Humby: “dados são o novo petróleo”. De fato, as novas tecnologias requerem uma análise de dados cada vez maior e mais complexa. Inicialmente, a metodologia quantitativa se resumia à combinação de ferramentas estatísticas com dados chamados de “estruturados” - séries históricas de preço e volume, por exemplo. Hoje, visando aperfeiçoar a tomada de decisão, utilizam- se dados “não-estruturados”: imagens de satélite, postagens em redes sociais e até o timbre de voz e linguagem corporal de executivos em discursos e divulgações de resultados. A quantidade de informação analisada, portanto, aumenta exponencialmente, assim como a necessidade de modelos mais complexos e computadores mais potentes. Hoje, a maioria dos fundos quantitativos utiliza técnicas de Inteligência Artificial e Machine Learning para analisar vastas quantidades de informações e criar modelos dinâmicos, capazes de se adaptar ao longo do tempo.

O futuro, ainda que incerto, depende das máquinas e dos dados. A quantidade existente de informações a ser analisada cresce assustadoramente: a cada dia, 2,5 quintilhões de bytes são criados; 90% do total de dados no mundo desde a criação da internet, em 1969, foi criado nos últimos dois anos. Assim, independentemente da metodologia de investimento utilizada, algoritmos de pré-processamento e mineração de dados serão essenciais para uma boa tomada de decisão. Cada vez mais fundos tradicionais, sobretudo em mercados maduros como os Estados Unidos, utilizam suporte quantitativo em suas operações. Afinal, num mundo onde informação é poder, o preço para aqueles que não se adaptarem pode ser muito alto.

Referências:

CUTAIT, Beatriz. Fundos Quantitativos: conheça os gestores que ganham com a volatilidade do mercado. InfoMoney, 18 de mai. de 2019. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/onde-investir/fundos-quantitativos-conheca-os- gestores-que-ganham-com-a-volatilidade-do-mercado/>. Acesso em: 21 de ago. de 2020.

FAYH, Marcelo. O que é Fundo Quantitativo e Como Funciona? The Cap, 30 de jul. de 2020. Disponível em: <https://comoinvestir.thecap.com.br/o-que-e-fundo- quantitativo/>. Acesso em: 21 de ago. de 2020.

COTIAS, Adriana. Fundos quantitativos são testados em meio à tensão no mercado. Valor Econômico, São Paulo, 16 de mar. de 2020. Disponível em: <https://valorinveste.globo.com/produtos/fundos/noticia/2020/03/16/fundos- quantitativos-sao-testados-em-meio-a-tensao-no-mercado.ghtml>. Acesso em: 21 de ago. de 2020.

TERNI, Flávio. Evolução do mercado de gestão quantitativa brasileiro. Giant Steps Capital, 22 de out. de 2018. Disponível em: <https://gscap.com.br/evolucao-do-mercado-de-gestao-quantitativa-brasileiro/>. Acesso em: 21 de ago. de 2020

Global Investor Awards for Excellence. Bridgewater Associates, 2003. Disponível em: <https://www.scribd.com/doc/28907035/Global-Investor-Awards-for-Excellence- 2003-Bridgewater-Associates>. Acesso em: 23 de ago. de 2020.

DALIO, Ray. Princípios: 1. ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.

MARR, Bernard. How much data do we create every day? The mind-blowing stats everyone should read. Forbes, 21 de mai. de 2018. Disponível em: <https://www.forbes.com/sites/bernardmarr/2018/05/21/how-much-data-do-we- create-every-day-the-mind-blowing-stats-everyone-should-read/#7d90fc7560ba>. Acesso em: 24 de ago. de 2020

TERNI, Flávio. Como combinar 2 ativos de risco e deixar uma carteira de investimentos mais conservadora. Giant Steps Capital, 07 de fev. de 2019. Disponível em: <https://gscap.com.br/como-combinar-2-ativos-de-risco-e-deixar-uma-carteira-de- investimentos-mais-conservadora/>. Acesso em: 24 de ago. de 2020


Referência da foto de capa: http://educathon-2020-ibm-mx.mybluemix.net/


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