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Impactos Econômicos do Coronavírus no Brasil e no Mundo

Isadora Valle, Luiz Burin & Rodrigo Maximiliano | 04/04/2020


Cenário Macroeconômico Brasileiro em 2019: Coronavírus vai destruir um futuro promissor?


O ano de 2019 foi um ano de muitas expectativas: nova agenda liberal, aprovação da reforma da previdência, Selic a 4,5%, “Brazil takes off... Parecia que finalmente reverteríamos os males da crise político-econômica de 2014. Terminamos com “Has Brazil blown it?”. O PIB brasileiro cresceu apenas 1,1% em 2019, um pouco abaixo da expansão de 1,3% em 2017 e 2018. Esse tímido crescimento econômico foi sustentado principalmente pelo consumo e investimento privado, que cresceram 1,8% e 2,2%, respectivamente, e foi afetado negativamente pelos cortes nos gastos públicos, uma diminuição de 0,44% em relação a 2018.




Com a queda do desemprego, a melhoria na confiança do consumidor e o aumento da renda média per capta, o consumo familiar no Brasil apresentava um quadro extremamente positivo. Outro fator crucial para explicar a alta no consumo é a expansão do crédito para as famílias no Brasil.



Além disso, condições mais favoráveis no mercado de crédito ao consumidor fizeram com que o percentual de famílias endividadas em dezembro de 2019 (65,6%) chegasse a sua maior proporção desde 2010. Essa alta no endividamento foi impulsionada pela melhora do mercado de trabalho e o acesso a crédito mais barato devido à redução significativa das taxas de juros.



Assim, existe um grande risco de que, caso não sejam realizadas políticas fiscais e monetárias eficientes, a inadimplência dessas famílias será assustadora. Essas dívidas ainda poderão ser renegociadas, o que com certeza afetará o consumo nos próximos trimestres de 2020.


Quais serão os reflexos da crise na economia brasileira?


Com forte expectativa de crescimento econômico, era esperado, em meados de fevereiro, um avanço de 2,2% para o PIB de 2020 no Brasil. Não obstante, a crise inverteu esse cenário, e em um mês a projeção para tal indicador caiu para 0%, de acordo com Banco Central. Contudo, diversos bancos e firmas esperam um pior desempenho para o PIB deste ano:



Para analistas, o Brasil sofre risco de entrar em uma recessão técnica, a qual é caracterizada por dois trimestres consecutivos de queda no PIB, sobretudo por conta de uma queda no consumo privado e nos investimentos. De acordo com projeções da MB Associados, o impacto maior será no segundo trimestre de 2020, sofrendo um tombo de 6,5% em comparação aos três meses anteriores. A “primeira onda” irá atingir a oferta e, em seguida, a segunda recairá sobre a demanda, sendo o setor mais afetado o de serviços, responsável por 63% do PIB brasileiro. Tal segmento econômico terá uma maior dificuldade em compensar a perda, comparado ao setor industrial. Para diminuir o tamanho do tombo, o Banco Central e o governo devem implementar rapidamente políticas fiscais e monetárias.


A questão em debate é quanto o governo pode gastar, haja vista o alto nível de endividamento do país, que em janeiro de 2020 alcançou 76% do PIB. Grande parte dos economistas defende que ainda há espaço para aumentar gastos para suavizar a crise, considerando que os estímulos no Brasil ainda correspondem a 2,86% do PIB, enquanto nos Estados Unidos esse valor atinge 6,3%; na Inglaterra 17% e, na Alemanha, 37%. Entre os incentivos fiscais já tomados, destacam-se a antecipação do décimo terceiro para pensionistas e aposentados do INSS, a redução temporária de impostos para empresas e um pacote de 85,8 bilhões de reais que serão repassados a estados e municípios, incluindo transferências para a área de saúde e suspensão do vencimento de dívidas dos estados com a União.


Ademais, por conta de restrições de movimentação e acesso, além de fechamentos de centros comerciais e gastronômicos, é esperada uma perda maciça de empregos. A GO Associados projeta que, em maio, no pico da crise, o desemprego pode ir de 11,2% em janeiro para 15,5%, o que significa 16,5 milhões de brasileiros desempregados. Os mais afetados serão os trabalhadores informais e pequenos negócios. Contudo, o choque pode ser amenizado se políticas adequadas forem implementadas. Até então, o governo aprovou duas principais medidas visando os trabalhadores: um vale de 600 reais mensais para o trabalhador informal, por três meses, que irá gerar um impacto fiscal de até 43 bilhões, e uma linha de crédito emergencial com valor total de 40 bilhões de reais, visando pequenas e médias empresas.


Seguindo a tendência dos Bancos Centrais do mundo, no dia 18 de março, o Copom decidiu utilizar a política monetária mais tradicional: o corte na Selic em 0,5 ponto percentual, atingindo o mínimo histórico de 3,75%. Apesar do incentivo, diversos especialistas o julgaram como tímido, clamando que o corte poderia chegar a até 1 ponto percentual.


Outrossim, o Banco Central reduziu a expectativa de inflação de 2020 de 3,5% para 2,6%. Tal corte foi fundamentado nos efeitos gerados pelo Coronavírus, que recairão principalmente sobre o preço das commodities, como o petróleo - já afetado -, além do setor de serviços, que contará com uma demanda reprimida.


Com taxas de juros atingindo mínimas históricas em diversos países, paira o questionamento de qual será o alcance dos Bancos Centrais em uma crise, haja vista que não podem depender da principal ferramenta de estímulo monetário. O Banco Central brasileiro declarou que possuí um “arsenal” para enfrentar o momento de instabilidade, e afirmou que seus principais objetivos são injetar liquidez e capital na economia. Por conseguinte, efetuou uma série de políticas monetárias nas últimas semanas, entre elas a redução dos depósitos compulsórios, a criação de uma linha de crédito a instituições financeiras, com garantias de debêntures e a captação de depósitos a prazo com garantia do FGC.

Efeitos econômicos no mundo e suas consequências para o Brasil:


A crise mundial de saúde que está exigindo uma quarentena em diversos países causa efeitos econômicos diretos e indiretos. Países com economias sólidas e capacidade de criar mais moeda a custos menores lançam mão dessa técnica para amenizar os efeitos causados. Países altamente endividados, com um passado de inflação que foge do controle e moeda fraca não tem essa mesma oportunidade.


O primeiro efeito para o Brasil desse medo pela crise que esta por vir no mundo foi a alta do dólar em relação ao real. Como é visto em quase todas as ocasiões de incerteza, quando há um risco sistêmico de queda na produção mundial, os investidores em um curto espaço de tempo começam a sair de suas alocações em países em desenvolvimento e voltam seu capital para os portos-seguros do planeta, tendo para tanto que comprar moedas fortes, nomeadamente o dólar dos Estados Unidos e algumas outras moedas de grande solidez como o franco-suíço e o iene japonês.


O segundo efeito que já pode ser claramente notado, correlato ao primeiro, é a queda da bolsa de valores, que segue sua contraparte americana para um mercado em baixa profunda. Esse segundo efeito, embora claro, tem variações dependendo do nível da crise esperada para cada país e pode seguir uma trajetória diversa daquela da evolução do PIB. Um dos casos interessantes na crise atual é a escalada dos índices de ações americanos para fora do tão temido “bear-market” após o anúncio dos pacotes de estímulo.


O terceiro, e último, efeito claro dessa crise é a redução na produção de todos os tipos de bens e serviços. O quão grave ela será dependerá muito dos estímulos e proteções que cada país entender necessários e possíveis no cenário dado. Para os Estados Unidos, esse efeito estava previsto para ser desastroso, mas com um pacote de estímulo de 2 trilhões de dólares, divididos em 1200 dólares para cada um dos adultos americanos, um programa de empréstimos de 500 bilhões para empresas, 367 bilhões para pequenos negócios e 130 bilhões para a área de saúde, podemos ver um fôlego suficiente para frear as consequências econômicas - que giravam em torno de um PIB negativo de -0,1%, segundo a OCDE -, embora a economia americana já estivesse num ritmo de desaceleração, com um crescimento do PIB para este ano previsto para ser menor do que o do ano passado (1,9%), mesmo antes desse cenário pandêmico.


O investidor americano Howard Marks, co-chairman da Oaktree Capital Management, acredita que os enormes estímulos apresentados até então pelo governo americano não serão suficientes para conter as consequências econômicas advindas do Lockdown. Ainda, Marks ressalta que o FED fará de tudo para tentar conter os efeitos da crise e, assim, ainda veremos muitas injeções de liquidez na economia. Essas, somadas a uma considerável redução na oferta de produtos, podem vir a ocasionar o aumento na inflação americana.


Na Europa, os planos de resgate da economia são também extremamente robustos. Na Alemanha, foi aprovado um pacote de 750 bilhões de euros; na França, que conta com uma dívida nacional elevada de 100% do PIB, o pacote foi mais tímido, contando com 45 bilhões de euros. A União Europeia como um todo também anunciou um programa de títulos públicos com um valor igual ao alemão, em 750 bilhões, para auxiliar países mais frágeis, como a Itália, que se encontra no olho do furacão dessa crise de saúde contabilizando mais mortos que a própria China.


Devemos ressaltar, ainda, o excelente desempenho da Alemanha na contenção do vírus e das possíveis consequências desastrosas para o mercado de trabalho. O país está usando a mesma estratégia de 2008 para evitar demissões em massa, na qual os trabalhadores recebem até dois terços do salário, mesmo que não trabalhem. Em um cenário onde quase meio milhão de empresas enviaram sua equipe em esquemas de trabalho de curto prazo, conhecidos como "Kurzarbeit", o financiamento do estado, em torno de dois terços do salário do trabalhador, mantém oficialmente as pessoas empregadas e reduz os custos com folha de pagamento com efeito imediato para as empresas.


Essa política se demonstrou extremamente eficaz em 2008 e, desde então, a Alemanha criou reservas durante os seus bons anos. O próprio Departamento do Trabalho, que antecipa um custo de mais de 10 bilhões de euros com o programa, acumulou estoques de 26 bilhões de euros, que agora podem ser usados ​​para apoiar empresas e funcionários.


A China, por sua vez, diminui seus depósitos compulsórios, liberando assim 70 bilhões de dólares para serem consumidos, além de criar um pacote de estímulos, também no valor de 70 bilhões, para bancos terem liquidez e serem capazes de financiar investimentos e empréstimos.


Todos esses pacotes se fazem necessários uma vez que a OCDE afirmava, no início de março - quando ainda não haviam começadas as ordens de quarentena que seriam necessárias para conter o vírus em regiões como Itália, Brasil e EUA -, que a queda no PIB global esse ano se daria na casa de 0,5% contra os 2,4% de crescimento que eram esperados anteriormente.


Como essa situação afeta o Brasil?


Somado ao que já discutimos anteriormente sobre câmbio, bolsa e redução da atividade econômica pelo mundo, podemos também inferir como essa dinâmica afeta o nosso país. O Brasil tem a China hoje como seu maior parceiro comercial, seguido dos Estados Unidos, com um superávit alto com o país asiático. Estudos anteriores à crise do Covid-19 já mostravam que uma redução no crescimento econômico da China em 1% causa uma redução significante no crescimento do Brasil.


Além da China e os Estados Unidos, o Brasil precisa se preocupar também com a Argentina, que é um grande parceiro comercial do Brasil e que já se encontrava em estado econômico frágil e que, agora, foi duramente afetado. O Brasil não está isolado da economia mundial e mesmo que tenhamos um valor de exportações relativamente baixo em relação ao PIB, os efeitos serão sentidos de forma significativa.


Cenário político:


A política mundial é refletida fortemente no Brasil. Países desenvolvidos que costumavam liderar os esforços em tempos de guerra e crises, como Inglaterra e Estados Unidos, foram protagonistas de uma maneira diversa nessa crise: se recusaram a aceitar o momento de pandemia e demoraram mais para colocar seus cidadãos em quarentena. O Brasil segue essa tendência, tendo, por enquanto, respostas conflituosas.


Com o número de infectados entrando numa trajetória extremamente ascendente, tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos, parece que o mundo todo está agora focado no combate à doença nos moldes da Organização Mundial da Saúde. Até a Índia, com sua população de 1,3 bilhões de pessoas, entrou em estado de quarentena.


O Presidente da República, assim como outras autoridades, estão em um estado de negação, preocupados justamente com os efeitos econômicos da crise, esquecendo que uma sobrecarga no sistema de saúde e um número maior de mortos não é solução passível de ser considerada. Mas, ao que parece, o Ministro da Saúde e os governadores conseguiram reafirmar suas posições e sobe a pressão para o Presidente para não reabrir o país.


Para onde vamos?


Tendo em vista a economia brasileira e o atual cenário, torna-se ainda mais difícil tentar prever o futuro, porém podemos considerar possíveis cenários com perspectivas de grandes profissionais do mercado.


O gestor da Adam Capital, Marcio Appel, acredita que sairemos da crise do Coronavírus muito pior que saímos economicamente em 2008. “Quando sairmos [desta crise] as empresas vão estar muito alavancadas e num cenário de inadimplência maior e consequentemente risco de crédito maior”. Além disso, analisa a queda na demanda doméstica somada ao fato de que somos um país exportador, como fatores que poderiam levar o real a "performar" melhor que seus pares de países emergentes.


A economista Vivian Almeida, da IBMEC, aponta um cenário desafiador para previsões em 2020, segundo reportagem para a BBC Brasil, em que afirma: "todo mundo está em tiro curto de previsão para poder tomar as decisões. Estamos olhando semanalmente o que vamos fazer"; "não sabemos quando a atividade será retomada, então é difícil saber quando virá uma aceleração maior."


Para o crescimento econômico, Vivian deixa claro que a economia brasileira é focada na circulação de bens e serviços, e que sem essa circulação não é possível manter as engrenagens econômicas a todo vapor no curto prazo: "temos uma economia totalmente dependente da circulação de bens, serviços, pessoas, dinheiro. E foi justamente a circulação que parou. Então, a projeção do PIB negativa é um reflexo de como essa não possibilidade de exercer a economia da forma que conhecemos — saindo para comprar produtos e para adquirir serviços — faz com que essa desaceleração econômica se efetive em um indicador negativo."


Já a taxa de câmbio, assim como a opinião neste artigo, não é de fácil previsão. Assim que uma grande crise se instala no mundo, os investidores buscam ativos com liquidez e segurança, como títulos americanos, o que faz a procura por dólar subir e, consequentemente, a sua cotação.


Ainda, em relação à inflação e à taxa de juros, a expectativa é de uma revisão para baixo. Segundo ela, a desaceleração econômica costuma carregar consigo os preços e a taxa de juros por conta do incentivo a empréstimos por parte dos bancos centrais do mundo.


Para Armínio Fraga, renomado economista e ex-presidente do Banco Central, o isolamento vertical é ineficiente. Portanto, defende que a estratégia deve partir de ações de quatro grandes frentes: médica, logística (para garantir suprimentos a população), assistencial (focando na população com baixa renda) e pelas empresas. É a favor das medidas fiscais e monetárias tomadas até então, porém pontua que os recursos devem atingir seus objetivos com pressa. Ademais, assinala a necessidade de se criar, com recursos públicos, uma nova linha crédito para pequenas e médias empresas, além de uma estratégia compartilhada pelas três esferas do governo, a qual tenha como foco gestão de crise. Evidencia um cuidado com os gastos fiscais, haja vista que esse espaço não é infinito e deve ser implementado de maneira bem definida e transparente.Por fim, Armínio Fraga identifica duas lições para o futuro: o reforço e aprimoramento do SUS e a recuperação da saúde fiscal como prioridade ao passar a crise.


No artigo final da Liga de Mercado Financeiro da PUC-Rio relacionado ao coronavírus serão abordados detalhadamente os impactos do vírus no mercado acionário brasileiro e suas perspectivas futuras.


Bibliografia:


1- PIB mostra crescimento de investimento privado, diz Ministério da Economia, Correio Braziliense, 2020. Disponível em:

2- Brazil: Household consumption, The Global Economy, 2020. Disponível em:

3- Brazil FGV Consumer confidence, Investing, 2020. Disponível em:

4- PNAD, ADVFN, 2020. Disponível em:

5- Brasil cria 644 mil empregos formais em 2019, melhor resultado em 6 anos, Globo, 2020. Disponível em:

6- Conjuntura econômica, emprego e renda, MINISTÉRIO DA ECONOMIA, 2020. Disponível em:

7- Credit to the non-financial sector, Bis, 2020. Disponível em:

8- Banco Central corta Selic em 0,50 p.p., para 3,75%, em meio à pandemia do coronavírus, Info Money, 2020. Disponível em:

9- Coronavírus: o que os bancos centrais podem fazer além de cortar juros, Revista Exame, 2020. Disponível em:

10- Por impacto do Coronavírus, BC reduz projeções de inflação de 2020 a 2022, O Globo, 2020. Disponível em:

11- Por impacto do Coronavírus, Brasil deve voltar a ter recessão neste ano, Globo, 2020. Disponível em:

12- Banco Central do Brasil, 2020. Disponível em:

13- Há espaço para gasto público subir, dizem economistas, Revista Exame, 2020. Disponível em:

14- Brazil cuts growth estimates amid coronavirus fears, Financial Times, 2020. Disponível em:

15- US Senate passes historic $2tn relief package as coronavirus devastates economy, The Guardian, 2020. Disponível em:

16- Coronavirus: What aid packages have governments agreed?, Deutsche Welle, 2020. Disponível em:

17- Covid-19: primeiras lições, desafios e propostas, Folha de S. Paulo, 2020. Disponível em:

18- Corona expressa a farra do aluguel, Brazil Journal, 2020. Disponível em:

19- Coronavírus: 4 previsões para a economia brasileira que despencaram em um mês, BBC, 2020. Disponível em:

20- Germany is using a familiar weapon to prevent massive layoffs, CNBC, 2020. Disponível em: https://www-cnbc-com.cdn.ampproject.org/c/s/www.cnbc.com/amp/2020/04/03/kurzarbeit-germany-is-using-a-familiar-weapon-to-prevent-layoffs.html

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