Ana Carolina S. Longo | 17/06/2020
Uma reforma tributária é, por definição: “uma reforma político-econômica que visa à mudança da estrutura legislativa de cobrança de impostos, taxas e outras contribuições vigentes em uma nação”. No caso do Brasil, essa reforma é de extrema importância para que o sistema tributário se adeque à realidade atual, uma vez que o modelo de tributação por ora adotado já vige há mais de 50 anos¹, estando extremamente ultrapassado. Uma reforma tributária pode tanto aumentar quanto reduzir os impostos, mas o principal foco das propostas de reforma que atualmente tramitam no Congresso Nacional é simplificar e desburocratizar o sistema tributário brasileiro, que é extremamente complexo e não confere segurança jurídica aos cidadãos, empresas e investidores. Hoje, existem duas principais Propostas de Emenda à Constituição que tratam da reforma tributária, uma tendo sido proposta na Câmara dos Deputados (PEC 45/2019) e, a outra, no Senado (PEC 110/2019).
A PEC 45/2019², da Câmara dos Deputados, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), prevê a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em substituição a três tributos federais: o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); a um tributo estadual, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias Serviços (ICMS) e a um tributo municipal, o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). A proposta defende uma base de cálculo uniforme em todo o país, com os estados tendo autonomia para fixar as alíquotas que serão aplicadas a todas as operações. A alíquota final do IBS em cada local seria a soma das alíquotas federal, estadual e municipal. A proposta da Câmara prevê, ainda, a criação de um imposto seletivo federal, que incidiria sobre bens e serviços específicos cujo consumo se deseja desestimular, como cigarros e bebidas alcoólicas. A Proposta de Emenda Constitucional 110/2019³, do Senado, proposta por Davi Acolumbre (DEM-AP) e outros senadores propõe, por sua vez, a extinção de nove tributos. São eles o IPI, o PIS, o Cofins, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a Contribuição de Formação do Patrimônio do Servidor (Pasep), o Salário-educação, o Cide-Combustíveis, o ICMS e o ISS. Em substituição seriam criados o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS) e um tributo seletivo a ser cobrado sobre bens e serviços específicos (imposto seletivo), de competência federal. O texto do Senado prevê, também, que a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) seja extinta e incorporada ao Imposto de Renda, que passaria a ter alíquotas ampliadas. Além disso, a proposta prevê que o imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) seria cobrado também sobre aeronaves e embarcações, mas excluiria veículos comerciais destinados à pesca e ao transporte público de passageiros e cargas com maior capacidade contributiva⁴.
Embora já existam propostas estruturadas tramitando nas casas legislativas, um passo importante para a elaboração de um texto final para a reforma tributária é o recebimento da proposta de reforma tributária do Governo Federal, fato que ainda não ocorreu. É fundamental que o Governo esteja alinhado com tal reforma, a fim de que ela seja sancionada e entre em vigor. O Ministério da Economia, embora, como mencionado, ainda não tenha enviado uma proposta formal, já sinalizou que estuda propor três mudanças à estrutura hoje vigente: a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) federal, em substituição à Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); a criação de um imposto seletivo sobre bens e serviços específicos, como cigarros e bebidas, no lugar do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); e a introdução de mudanças no Imposto de Renda (IR), com a retomada da tributação sobre lucros e dividendos e a desoneração da folha de pessoal. A criação de um imposto sobre valor agregado é um ponto de convergência entre as mudanças indicadas pelo Ministério e as propostas em discussão no Congresso Nacional.
Hoje, existe uma comissão mista composta por 25 senadores e 25 deputados que é responsável por elaborar uma proposta de reforma em conjunto, tomando como ponto de partida as PECs 45/2019 e 110/2019. Embora a agenda do Congresso Nacional tenha sofrido alterações radicais em decorrência da pandemia do COVID-19, a reforma tributária ainda é considerada de grande importância, e as perspectivas de aprovação de tal reforma são amplas. Isso se dá uma vez que a reforma é interessante para todos os setores econômicos, bem como a todos os entes federativos. Além disso, as duas propostas de PEC anteriormente mencionadas possuem uma considerável base comum – como a extinção de diversos tributos que incidem sobre bens e serviços e a sua substituição por um imposto único sobre valor agregado⁵ – o que significa que pelo menos parte da elaboração do texto pelos parlamentares não deve gerar grandes embates. A mudança no sistema de impostos é importante para estimular a confiança de empresários e investidores, que será fundamental para a retomada do crescimento do país – especialmente após a crise gerada pelo Coronavírus. O sistema que se tem atualmente, além de obsoleto, é extremamente pesado, o que desestimula empresas e empresários a fazerem negócios no Brasil. A complexidade tributária com a qual empresas se deparam no país leva a muitos gastos e atrasa os processos produtivo, de desenvolvimento e de crescimento das empresas que aqui operam. Portanto, a reforma tributária é fundamental para que o ambiente de negócios brasileiro melhore.
Além de extremamente oneroso, o sistema tributário brasileiro também é suscetível mudanças discricionárias e está constantemente tendo suas regras alteradas, o que gera instabilidade, incerteza e aumenta a probabilidade de se estar em desconformidade com as normas. A insegurança jurídica decorrente dos fatores mencionados é um grande inibidor de investimentos no Brasil, e isso faz com que o país se encontre em enorme desvantagem em relação aos países com sistemas tributários mais simples e bem estruturados, como o daqueles que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Um estudo sobre o Custo Brasil elaborado pelo Ministério da Economia em parceria com o Movimento Brasil Competitivo (MBC) estimou que as empresas que operam no Brasil têm um custo anual adicional de R$ 280 milhões em comparação com os gastos incorridos nos países integrantes da OCDE para honrarem os tributos vigentes no país. Esses custos decorrem da alta complexidade tributária, da carga de impostos, da sua cumulatividade, da cobrança de tributos na exportação, da informalidade e da sonegação.
Como ainda não existe um texto finalizado, não existem estimativas muito precisas quanto ao potencial de impacto econômico. No entanto, um estudo elaborado em 2019 pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN) concluiu que as PECs 45/2019 e 110/2019 produziriam resultados muito semelhantes em termos de aumento de renda disponível para o consumo. O ganho potencial de consumo no país seria de R$ 122,7 bilhões na PEC 45/2019 e de R$ 122,1 bilhões na PEC 110/2019.
A reforma sendo aprovada com um texto razoável, existem previsões de alguns possíveis impactos na economia do país⁶. Um deles, que atinge diretamente a população, é o nível de emprego. Espera-se que, com a reforma, o Brasil passe a ter uma estrutura tributária atrativa para empresas e investidores, havendo uma redução do poder discricionário dos governantes no que se refere à provocação de alterações nos impostos. Um ambiente mais atrativo para investimentos aqueceria a economia e a produtividade do país, o que acabaria por gerar mais empregos formais e de qualidade. Além disso, se espera que com a reforma as empresas tenham menor gasto logístico na tentativa de escapar de determinados impostos (como, por exemplo, no caso da produção de uma moto no Brasil: as peças são produzidas em São Paulo, a moto é montada em Manaus, para usufruir dos benefícios da Zona Franca, e em seguida é levada de volta para São Paulo para ser vendida). Com uma estrutura mais simples e uniformizada, espera-se que as empresas consigam produzir mais e, consequentemente, empregar mais funcionários.
Outro impacto esperado é que as empresas passem a gastar menos tempo e dinheiro tentando entender e estar em conformidade com as suas obrigações tributárias. Segundo o Banco Mundial, uma empresa que opera no Brasil gasta, em média, 1.958 horas por ano para se adequar e pagar tributos. Além disso, o Banco Mundial aponta que, em média, a cada 200 funcionários contratados por uma empresa no nosso país, um se dedica exclusivamente a cuidar do pagamento de impostos. Essa proporção é cinco vezes maior que aquela observada nos Estados Unidos, por exemplo.
Mais um resultado que se prevê como consequência da aprovação e implementação da reforma é a alteração do preço pago por determinados bens e serviços, que acabará por beneficiar alguns setores e penalizar outros. Isso se dará devido ao fato de que alguns setores passarão a pagar menos impostos do que hoje pagam e, outros, passarão a pagar mais. No entanto, projeta-se que mesmo aqueles que terão a carga tributária aumentada não sofrerão muito, uma vez que o resultado previsto de geração de empregos e aquecimento do setor produtivo do país acabaria por estimular o consumo.
Por fim, outra repercussão muito esperada com a reforma é a valorização no mercado de capitais das empresas nacionais, uma vez que estas poderão operar num ambiente menos complexo e sem amarras tributárias, o que permitirá um crescimento maior e mais acelerado do que aquele observado nos dias de hoje. Tal valorização acabará por gerar consequências positivas para os acionistas, prevendo-se grande potencial de alavancagem de empresas brasileiras e, consequentemente, da bolsa de valores brasileira.
Além do Brasil ter uma carga tributária que corresponde a 32,3% do PIB⁷, a maior do mundo, de acordo com o Índice de Retorno e Bem Estar Social (IRBES), em pesquisa realizada em 2019, o Brasil se encontra no último lugar na lista de países em que a tributação é convertida em bem-estar social.
Considerando todos os fatos mencionados, especialmente em meio à pandemia do COVID-19, que está gerando fortes impactos na economia mundial, torna-se evidente a necessidade de uma reforma tributária de qualidade, que atraia investimentos e contribua para a retomada do crescimento do país.
Bibliografia:
1- https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/economia/por-que-aprovar-ja-a-reforma-tributaria/
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