João Francisco Miller 22/08/2018
Pare nesse instante o que estiver fazendo e cheque sua conta bancária. Abra até mesmo o cofrinho do seu quarto e verifique debaixo do colchão. Você tem algum dinheiro sobrando? Se não tem, boa sorte! Mas se tem, veja se você conhece essa frase: “Lembra-te que tempo é dinheiro”. Lembrou-se, não é mesmo? Benjamin Franklin proclamou essa máxima logo dois parágrafos acima da sentença que, na realidade, melhor se aplica ao nosso contexto: “Lembra-te que o dinheiro é procriador por natureza e fértil”. Com essa frase em mãos, vamos entender porque aquele mesmo cofrinho do seu quarto está lhe fazendo perder dinheiro.
Calma! Não me refiro aqui à perda de dinheiro per se, mas à perda da oportunidade de aumentar seu capital. Certamente você percebe que, com o tempo, o que está guardado no colchão só renderá poeira e traças. No entanto, seja porque vivemos em um país onde a educação financeira é demasiado baixa, seja porque os economistas e profissionais do mercado financeiro gostam de complicar o vocabulário, também aceitamos nosso desconhecimento e nossa falta de acesso a informações e desistimos desse mundo. Ouvimos a palavra “derivativos” e já sobe o frio na espinha; mostram a bolsa de valores e estranhamos porque é medida em pontos e não em reais; ou mesmo nos falam em “ações” e achamos simplesmente que vamos enriquecer rápido. No fim das contas, acabamos nos contentando com a ordinária poupança bancária, como o senso comum nos indica.
Dessa forma, cabe a nós, neste artigo, enxergar um meio simples - todavia poderoso – que efetive a “natureza fértil e procriadora” do dinheiro e que nos dê, com o tempo, mais do que “poeira e traças”. Estamos falando da renda fixa. Marcada pela previsibilidade de seus rendimentos e alimentada por juros compostos, essa modalidade de investimento não rende quantias tão significativas quanto a renda variável (segmento das ações e afins), mas, dependendo de sua categoria, pode ser mais acessível ao investidor em termos financeiros, além de prover maior segurança quanto ao risco de perdas. Dentre seus diversos produtos, cabe a nós julgar nossos objetivos e necessidades ao ponderar, por exemplo, o horizonte de resgate de preferência, a necessidade de liquidez ou a exposição a risco do ativo.
Comecemos então com instrumentos bastante similares entre si: a Letra de Crédito Agrícola (LCA) e a Letra de Crédito Imobiliário (LCI). Emitidas por instituições financeiras como recurso de captação, seus aportes são obrigatoriamente repassados, respectivamente, para operações de crédito agrícola e para o financiamento imobiliário. Na prática, empresta-se dinheiro ao banco para que ele o redirecione novamente ao seu devido fim – ao contrário dos CDBs, por exemplo, quantias sobre as quais as instituições financeiras têm total liberdade de uso.
Agora que já sabemos a definição formal, vamos ao que interessa: quais as vantagens dos LCIs e LCAs para você, leitor e aspirante a investidor?
Do ponto de vista da rentabilidade, podem-se escolher tanto os pré-fixados quanto os pós-fixados. No primeiro caso, a taxa de juros a incidir no investimento é acordada no momento da compra – logo, já sabemos hoje qual será nosso ganho na data de vencimento do papel. No segundo caso, o rendimento está geralmente atrelado ao CDI, mas também é comum observar LCIs e LCAs fixados a um Índice de Preços (IPCA ou IGPM) - opção na qual juros são acrescidos. Os valores variam para cada instituição financeira: um banco médio pagará, por exemplo, uma porcentagem maior do CDI, ou uma taxa de juros maior, do que um banco já consagrado no mercado.
Nessa perspectiva, cabe a nós atentarmos ao risco de inadimplência da instituição para qual estamos confiando nosso capital. É natural que bancos pequenos e médios ofereçam taxas mais rentáveis para atrair investidores. No entanto, se esse banco não tiver uma estrutura capaz o suficiente para honrar com suas dívidas, o retorno da aplicação financeira terá sido o mesmo do que se o dinheiro tivesse permanecido em nosso colchão. Felizmente, no caso das Letras de Crédito, o cliente não perderá o valor investido: a proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) cobre até R$250.000 investidos. Dessa forma, o risco de LCIs e LCAs é nulo, não é mesmo?
A história não é tão simples assim. Por mais que as chances sejam boas, o FGC contém certos empecilhos indesejados pelo investidor. Além de estar sujeito à disponibilidade de saldo, situação que se tornaria problemática em acentuadas corridas bancárias – cenário raro, mas não impossível, vide 1929 e 2008 -, certas questões judiciais poderiam atrasar o pagamento dos recursos. Em geral, há uma média de três meses até o saldo. Por mais que, no fim, você receba seu dinheiro de volta, voltamos à velha história da perda de oportunidade citada no início: durante esse período de espera, você terá deixado de investir seu capital e de tê-lo feito render.
Outra variável que nos é relevante, quando lidamos com LCIs e LCAs, é a liquidez desses ativos. Ao contrário da poupança, por exemplo, que permite liquidez diária, as Letras de Crédito apresentam limitações quanto às suas possibilidades de resgate. Por um lado, títulos pós-fixados atrelados ao CDI possuem, em geral, vencimento mínimo de 90 dias antes do saque. Por outro lado, tanto os pós-fixados indexados à índices de preços quanto os pré-fixados só podem ser resgatados no fim do prazo de aplicação. Dessa forma, é relevante conhecer nossas necessidades a fim de bolar planejamentos financeiros que não dependam da quantia “presa” aos títulos durante o período contratado.
Agora, você já conhece as Letras de Crédito. Sabe que pode fazer uns trocados a mais com nada além das voltas do relógio. Entretanto, todo portfólio de investimentos que queira minimizar riscos não se limita a apenas um tipo de ativo. Desse modo, há dois instrumentos que, embora distintos, servem essencialmente a um mesmo propósito. São eles o Tesouro Direto e as Debêntures.
Como é de praxe em renda fixa, ambos os produtos também funcionam como meio de captação. No primeiro caso, o Estado investirá os recursos arrecadados em setores como saúde, educação, infraestrutura, entre outros. Nessa perspectiva, ao comprar títulos públicos, você não só estará ganhando mais dinheiro, como também estará contribuindo para o desenvolvimento do país! Esse é um belo jeito de exercer seu patriotismo, não é mesmo? No segundo caso, empresas listadas ou não-listadas em bolsa emitem títulos privados (as chamadas “debêntures”) visando, sobretudo, à arrecadação de capital para a expansão do negócio –seja para abertura de novas fábricas, seja para abrir frentes em outros setores de atuação etc. Dessa forma, o destino do dinheiro visa relativamente a um mesmo propósito: o crescimento. Mas agora, volto a fazer a mesma pergunta que fiz lá atrás: qual é a vantagem de um ou de outro para nós, futuros investidores? Essa resposta reside nas diferenças entre os dois ativos.
Se você é daqueles ultraconservadores que não aceitam qualquer exposição a risco, então o Tesouro ... NÃO é o investimento para você. Na realidade, nenhuma aplicação financeira é própria para você. Se você é um conservador extremo, porém está consciente de que tudo carrega seu risco particular, então o Tesouro é o produto certo para você. Entre todos os instrumentos de renda fixa, ele é o mais seguro que podemos encontrar: além de ser protegido pelo nosso conhecido FGC – da mesma forma como LCIs e LCAs o são –, o risco de inadimplência é o do próprio Governo não poder pagar: ou seja, só se a economia brasileira quebrar! Logo, na prática, o que representa dizer que você possui um título do Tesouro Direto? Significa dizer que o Governo Brasileiro lhe deve dinheiro!
Até aí, nada muito glamouroso, não é mesmo? Ora, um funcionário público com salários atrasados também é credor do Estado. Assim, vamos abrir um parêntese e aproveitar a discussão para falar sobre as incertezas ligadas às debêntures. Por um lado, o risco de calote anda junto com a saúde financeira da empresa emissora; logo, seu balanço patrimonial nos mostra muitas vezes sua capacidade futura de honrar com suas dívidas. Ainda, ao contrário de todos os produtos que listamos, esse ativo não conta com a proteção do FGC. Torna-se, desse modo, evidente que essa aplicação não é tão segura. Por outro lado, imagine que você possui uma debênture emitida por uma empresa rica e famosa como ... a Apple, por exemplo. Você poderá falar que a Apple, instituição de proporções internacionais e fabricante de boa parte dos celulares que vemos pelas ruas, é sua devedora direta! Muito mais legal, não é?
Preocupações com o glamour à parte, vamos ao que realmente interessa. No quesito rentabilidade, os mecanismos não mudam significativamente em relação às Letras de Crédito: há pré-fixados, pós-fixados, indexados à Selic e mesmo híbridos. Títulos do Tesouro e Debêntures, entretanto, estão sujeitos a alíquotas regressivas de Imposto de Renda: ou seja, quanto maior o prazo de aplicação, menor o imposto incidido. A depender do prazo, esse tributo provoca uma redução significativa de nossa rentabilidade: no nível atual da taxa Selic, investimentos de até um ano no Tesouro Direto, por exemplo, rendem menos que a própria poupança!
Vejamos então certas particularidades que façam esses ativos brilharem aos nossos olhos.
Enquanto LCIs, LCAs e debêntures possuem liquidez demasiado limitada, o Tesouro Direto, assim como a poupança, possui liquidez diária. Além desse aspecto, ele ainda abre a possibilidade de recebimento de juros semestrais (“cupons”). No entanto, calma lá! Sacar rendimentos a cada seis meses, por mais atraente que pareça, pode prejudicar a rentabilidade final do seu investimento. Os juros compostos (o seu melhor amigo, junto com o tempo) também incidem sobre os rendimentos anteriores, multiplicando seu dinheiro. E se você não acredita em mim quanto ao poder financeiro dessa espécie de juros, acredite em Einstein: “A maior força do universo são os juros compostos”. Ou ainda, se você duvida que um físico poderia entender de finanças, acredite em um dos maiores investidores da atualidade; quando perguntado sobre o que o tornou bilionário, Warren Buffet respondeu: “Morar na América (...), ter bons genes (...) e juros compostos. ”
Quanto às debêntures, podem-se citar ainda duas categorias intrigantes: as debêntures incentivadas e as debêntures conversíveis. O primeiro tipo consiste na concessão pelo governo de isenção de imposto de renda para debêntures de infraestrutura. O segundo tipo diz respeito aos títulos privados que podem se converter futuramente em ações: nesse sentido, a emissão desses ativos pode significar um processo de IPO (abertura de capital na bolsa) a ocorrer num futuro próximo.
Agora, é natural que, após vislumbrar todos esses produtos, você queira comprá-los já e não esperar nem mais um minuto para isso. Afinal, como você aprendeu, cada minuto que passa é um rendimento que deixa de ser contraído. Acalme os ânimos, pois nem tudo é tão fácil quanto parece. A dificuldade da qual falo é o valor mínimo de aplicação. Investimentos em LCIs e LCAs variam, por exemplo, entre R$5.000 e R$30.000 – ainda que se achem quantias menores em bancos menos conhecidos. Investimentos em debêntures, por sua vez, dependem da empresa emissora: quanto maior sua estabilidade e representatividade no mercado, mais caras ficam. Todavia, se nem mesmo um pequeno investidor você é, mas um mínimo investidor, que economizou o dinheiro do cinema porque seus amigos decidiram ir à praia, saiba que o Tesouro Direto aceita aplicações de, no mínimo, R$30,00. Essa é a beleza do mercado: para todos há um investimento adequado.
Dessa forma, não há por que nós, meros mortais no mundo das finanças, nos preocuparmos em achar bandas de Bollinger ou nos utilizarmos do método do fluxo de caixa descontado. Deixe as análises de renda variável para os especialistas. Mas não é por isso que não deveríamos ter uma renda passiva extra no fim do mês: seja você um advogado, um professor, uma dona de casa, ou até mesmo uma vendedora de miçangas na praia, é possível, com a ajuda do nosso melhor amigo tempo, transformar o dinheiro em um legítimo “procriador por natureza e fértil”.
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