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Recessão na China?

Gabriel Corrêa


Foto 1: Decrescimento da economia chinesa


O crescimento chinês, observado nas últimas décadas, tornou impossível discutir o cenário macroeconômico atual sem mencionar o “dragão asiático”. Desde o início da década de 2000, a China vem se tornando uma das maiores potências mundiais, apresentando expressiva participação nas importações de relevantes países consumidores, como os EUA, além de ter mostrado grande sucesso no setor imobiliário. No entanto, tudo indica que essa imensa expansão está a decair.


É possível prever uma recessão?


Primeiramente, em termos simples, uma recessão é o crescimento negativo do PIB por 2 ou mais trimestres consecutivos. Por mais que existam modelos econômicos que possam nos ajudar a prever uma recessão, como a Sahm Rule - a qual auxilia na determinação da taxa de desemprego pela média dos últimos três meses, essas análises podem tornar-se superficiais devido à complexidade do cenário chinês e à credibilidade dos dados divulgados pelo governo.


Por esse motivo, iremos analisar a situação da China sob a perspectiva de seus principais setores e seus respectivos declínios, além de explicar a insatisfação tanto da população local quanto da mundial em relação ao governo.


Cenário Chinês:


Nas últimas décadas, a ascensão econômica da China tem sido tão significativa que foi apelidada de "Século Chinês". Isso se deve, em grande parte, aos impressionantes sucessos em termos de produtividade e exportação. No início do milênio, o PIB da China estava em torno de US$1,2 trilhão. No entanto, até 2020, esse número havia crescido para impressionantes US$15 trilhões, tornando-o o segundo maior do mundo. Além disso, algumas projeções indicam que a economia chinesa poderá ultrapassar a dos Estados Unidos até o final da década atual. Esses dados refletem a notável transformação e ascensão da China como uma potência econômica global.


Em um panorama mais recente, a economia chinesa enfrenta incertezas, com instabilidades no mercado financeiro e confiança abalada no setor privado. Embora o PIB da China tenha crescido 5% em 2023, houve uma desaceleração notável nas exportações e vendas do comércio, além de problemas no mercado imobiliário. Comparando o crescimento do segundo trimestre de 2023 com o mesmo período do ano anterior, vemos uma contração significativa na economia, com o PIB aumentando apenas 0,8% em relação ao trimestre anterior e 6,3% em relação ao mesmo período de 2021.



Gráfico 1: Crescimento anual do PIB chinês, a cada trimestre


Um dos fatores responsáveis pelo cenário econômico atual da China é traduzido pelos dados de exportação do país, que apresentam um dos piores resultados das últimas décadas. De acordo com informações do Departamento de Comércio dos EUA - divulgadas na primeira semana de janeiro de 2024 -, as exportações da China para os Estados Unidos caíram mais de 20% entre janeiro e novembro de 2023, se comparado com o mesmo período no ano anterior. 


A China totalizou sua menor participação nas atividades de importação dos EUA - apenas 13,9% - desde 2004, tendo alcançado um pico superior a 21% em 2017. Muitos economistas acreditam ser o início do fim do Free Trade entre EUA e China, devido à posição da China em relação às guerras, aos cenários geopolíticos e até mesmo à falta de confiança dos EUA na intransparência da governança chinesa.


Ademais, houve - no início deste ano - uma grande queda na bolsa de valores chinesa. No dia 04 de fevereiro, a CSRC (Comissão Reguladora dos Valores Mobiliários da China) fez um comunicado buscando tranquilizar os investidores, mas isso não deu certo. No dia seguinte, a Shangai Stock Exchange registrou o menor nível dos últimos 5 anos, com o seu principal índice acionário do país, o Shanghai Composite, apresentando uma queda de 1,02% em um único dia (chegou a cair 3,5%). Apesar do comunicado, a falta de confiança por parte da população em relação ao governo e às principais empresas do país, devido às recentes catástrofes imobiliárias e à queda da economia, também contribuem para a instabilidade no mercado financeiro chinês.


No entanto, existem também alguns sinais de recuperação que geram controvérsias em relação à iminência da recessão. Com o crescimento industrial indo de 3,5% no primeiro semestre de 2023 para 4,5% no segundo, o ritmo de expansão de investimento em ativos fixos subiu de 1,6% para 3,1%, resultado do incremento de investimentos estrangeiros e de incentivos fiscais.


Embora existam preocupações acerca da sustentabilidade do crescimento do PIB, as expectativas para a economia da China mostram uma inflação controlada, de 1,3% para 2024 e de 2,0% ao ano até 2028. Além disso, uma ação política voltada para a reestruturação do setor imobiliário poderia aumentar a confiança dos investidores estrangeiros, atraindo mais capital a fim de estabelecer uma expansão superior à prevista para o investimento privado, o que - de fato - poderia contribuir para o aumento do PIB. 


Em linha com esse raciocínio, o governo estipulou que, caso o ritmo de crescimento continue abaixo do esperado, autoridades providenciarão novos estímulos fiscais para a economia. 


Crise imobiliária:


Foto 2: Crise imobiliária na China 


Nas últimas décadas, o setor imobiliário foi responsável por um quarto das atividades econômicas da China. No entanto, hoje é visto como uma ameaça. Por mais que o governo acredite que esse fracasso na economia tenha impactado apenas o curto prazo e afirme que já está se reerguendo, a maioria dos economistas no mundo não enxerga dessa forma.


Para compreender o cenário atual de forma mais completa, deve-se ter em mente que - na China -, é comum adquirir imóveis como uma forma de poupança ou de investimento, tendo cada família - em média - de 3 a 4 imóveis. Isso resultou em uma forte queda na demanda por aluguéis em relação à quantidade de imóveis sendo ofertada, dificultando o processo de revenda e locação.


Duas das maiores empresas do setor imobiliário, a Country Garden e a Evergrande, tiveram perdas imensas, pela dificuldade de vender novos empreendimentos. Esse evento foi tão significativo que ambas anunciaram falência no ano passado, somando mais de US$300 bilhões em dívidas.


Essa crise imobiliária teve início em 2021, se mantém até os dias de hoje e estima-se que pode durar mais 10 anos. Isso se deve ao fato de que o rombo no setor imobiliário se mostrou diferente das demais crises, nas quais uma reação do mercado era observada mais rapidamente (após dois ou três trimestres). Entende-se então que, desta vez, a recuperação será mais lenta devido às grandes dívidas acumuladas pelas empresas e à falta de confiança da população para realizar investimentos no país. 


De acordo com dados oficiais, as vendas imobiliárias caíram 16,5% em 2023 em relação ao ano anterior. As consequências dessa crise podem ser ainda mais graves, uma vez que - somente o sistema bancário - poderá ver uma queda de US$4 trilhões devido à queda nas vendas dos imóveis.


Reputação do governo:


Devido aos problemas mencionados anteriormente e a forma de condução política, o governo Chines não está sendo bem visto, tanto internamente quanto externamente. Tal fato evidencia-se com a frase dita por uma intelectual de 24 anos, graduada pela Universidade Renmin - a mais importante da China - se tornou manchete nas mídias locais:  “Nascemos na era errada”.


Em efeito das crises, muitos jovens não conseguem iniciar suas vidas profissionais e se desenvolver financeiramente: “Ninguém mais se preocupa com seus sonhos e ambições em uma crise econômica. A busca interminável por emprego é uma tortura”, relatou um jovem na fila de busca por uma vaga de trabalho.


É a primeira vez, desde 2013, que Xi Jinping, presidente da China, admite que a economia do país está em perigo, anunciando em seu discurso de Ano Novo que as empresas estão em dificuldade financeira, e os candidatos em encontrar trabalho.



Opinião e considerações finais: 


O "boom" que a China teve nas últimas décadas deve desacelerar bastante. É nítido que o país teve uma recuperação pós-Covid bem abaixo do esperado. Mesmo que o governo tome medidas, o principal fator que aumentou o crescimento chinês foi o Free Trade com os EUA. No entanto, estes reduziram muito a demanda por produtos da China, o que representava um dos principais fatores de crescimento. 


O FMI postou uma previsão de que a China crescerá 4,6% em 2024, e perderá força ao longo dos próximos anos, devido aos cenários desfavoráveis mencionados anteriormente.


Gráfico 2: Previsão do crescimento do PIB Chinês até 2028


Em resumo, acredito que o cenário atual indica que a China entrará em uma recessão, porém os riscos de se tornar uma depressão são baixos, devido à grandiosidade da economia chinesa e aos indícios de possível recuperação mencionados anteriormente. 


Vale ressaltar que períodos recessivos são comuns, mesmo em grandes potências como os EUA e a própria China. Isso ocorre por conta das tendências cíclicas da economia, equilibrando o crescimento com a retração, sendo até mesmo saudável para que a economia não cresça descontroladamente. Sendo assim, acredito que a China vai retomar seu crescimento, mas em ritmos cada vez menores até o final dessa década.



Bibliografia:


A crise imobiliária na China continua (e pode durar mais 10 anos). Disponível em: <https://neofeed.com.br/economia/a-crise-imobiliaria-na-china-continua-e-pode-durar-mais-10-anos/>.


Após 17 anos, China perde posto de maior exportadora de bens para os EUA. Disponível em: <https://valor.globo.com/mundo/noticia/2024/01/10/aps-17-anos-china-perde-posto-de-maior-exportador-de-bens-para-os-eua.ghtml>. 


Chineses comentam percepção no cotidiano de que China vive recessão econômica. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/chineses-comentam-percepcao-no-cotidiano-de-que-china-vive-recessao-economica/>.


O FMI projeta que PIB da China cresça 4,6% em 2024 e perca força nos anos seguintes. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/economia/fmi-projeta-que-pib-da-china-cresca-46-em-2024-e-perca-forca-nos-anos-seguintes/>. 


Regulador chinês busca tranquilizar investidor, mas bolsas fecham nos menores níveis em 5 anos. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/mercados/regulador-chines-busca-tranquilizar-investidor-mas-bolsas-fecham-nos-menores-niveis-em-5-anos/>.







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