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A Grande Recessão Brasileira

Mariana Martins


Em 2009, um Cristo Redentor ascendente estampava a capa da The Economist, uma das editoras mais influentes do mundo, representando o Brasil como a grande história de sucesso da América Latina. Nos anos seguintes, a revista inglesa continuava a contar a narrativa brasileira por meio de edições emblemáticas, mas trazendo um lado cada vez menos promissor do país. Vimos um Cristo desgovernado em 2013, o "atoleiro" de 2015 e, em 2016, ilustrava-se - novamente - uma das sete maravilhas do mundo moderno, mas, dessa vez, pedindo socorro. Diante de tantas oscilações, entender o que aconteceu com o país se torna uma tarefa complexa. Em que momento a decolagem deu errado?


No dia 1º de janeiro de 2011, acontecia a posse da primeira presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Após oito anos de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, marcados por um crescimento médio do PIB de 4,1%, sua sucessora herdava uma conjuntura econômica pouco favorável: meta da Selic de 11,25%, redução nas exportações frente a um câmbio apreciado (dólar em aproximadamente R$1,67) e ao fim do boom das commodities, e crise do euro, dada também a fraca recuperação global após 2008.



Figura 1: Cerimônia de posse de Dilma Rousseff em 1º de janeiro de 2011



Foto: Geraldo Magela/ Agência Senado - Flickr


Diante dessas circunstâncias, nesse mesmo ano, o governo Dilma propôs a chamada Nova Matriz Econômica (NME), a qual consistia em medidas intervencionistas e desenvolvimentistas que objetivavam estimular os gastos governamentais e aumentar a competitividade e a produtividade da indústria nacional. A partir disso, as decisões tomadas culminaram em um cenário de depreciação cambial, corte da taxa de juros, isenções fiscais, expansão do crédito fornecido pelo BNDES, concessão de subsídios e intervenção em preços - alcançando o objetivo principal de crescimento do produto. O gráfico abaixo retrata a taxa de crescimento do PIB brasileiro de 2000 a 2022, permitindo observar o comportamento dessa variável em diferentes momentos, tais como o governo Lula, o pós-crise de 2008 e a eclosão das medidas de Dilma Rousseff. 



Figura 2: Taxa de crescimento anual do PIB brasileiro entre 2000 e 2022





No entanto, a combinação de políticas monetárias expansionistas com fiscais igualmente estimulativas frente a uma economia com preços já elevados e afetada por choques de oferta negativos resultou em um cenário pouco surpreendente: a aceleração da taxa de inflação e a sua permanência em patamares altos. Na época, houve uma grande polêmica acerca da interferência governamental sobre o Banco Central. Em 2012, o presidente do BC, Alexandre Tombini, reduziu a Selic para 7,25% ao ano, o menor nível de juros até aquele momento, na tentativa de estimular ainda mais uma economia que se mostrava pouco reativa aos incentivos. Com essa decisão, a aparente falta de autonomia do Banco Central causou uma enorme perda de credibilidade da instituição, aumentando os custos da realização de política monetária.



Figura 3: Histórico da Taxa Selic de 2011 a 2022





É necessário ressaltar, também, a crise política que se estabelecia no país em 2013. Centenas de milhares de manifestantes foram às ruas protestar contra o aumento na tarifa dos transportes públicos, a realização - e os consequentes gastos - da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, além da corrupção alarmante na política brasileira. Em resposta, o governo federal tomou medidas que contemplaram as demandas da população e o Congresso Nacional iniciou a votação da "agenda positiva", projetos que atenderiam às pautas reivindicadas pelos manifestantes, como a desoneração de impostos sobre transporte coletivo e o direcionamento de mais verba à educação e à saúde.



Figura 4: Manifestantes concentrados no Congresso Nacional em junho de 2013



Foto: Paula Cinquetti/Agência Senado - Flickr


No ano de 2014, Dilma Rousseff se reelegeu para o seu segundo mandato como presidente, em meio a um contexto turbulento política e economicamente: com a continuidade de indicadores econômicos preocupantes, insatisfação popular e o início da Operação Lava Jato, que expôs esquemas de corrupção no governo. 

Diante dessa instabilidade, o Congresso iniciou a votação de "pautas-bomba", projetos de lei que envolviam altos gastos, podendo causar danos nas contas públicas e dificultar o cumprimento da meta estabelecida para o superávit fiscal. Além do mais, observou-se um crescimento pouco significativo do PIB, de 0,5%. No entanto, a partir do final daquele ano, as consequências das decisões feitas ao longo desse período foram sinalizadoras do início e do aprofundamento da crise que se instaurava na economia brasileira. 


Tendo em vista os incentivos fiscais e o desaquecimento da economia, houve uma notável queda na arrecadação pública, registrando um resultado primário negativo, o que causou uma perda na capacidade de investimento do governo e, por conseguinte, o esgotamento da Nova Matriz Econômica. 


Como consequência, no final de 2014, o recém-nomeado Ministro da Fazenda Joaquim Levy sinalizou a realização de um ajuste fiscal que levaria o Brasil a um superávit nos anos seguintes por meio do aumento da receita do governo e, principalmente, da redução das despesas públicas. No entanto, tais medidas não obtiveram muito êxito. Além disso, já em 2015, os preços administrados - serviços cujos preços são regulados pela União, como energia elétrica, transportes e combustíveis - sofreram um expressivo reajuste, apelidado de "tarifaço", que culminou em pressões inflacionárias.


Perante a insustentabilidade fiscal e o contínuo déficit nas contas do governo, a incerteza dos agentes econômicos crescia, inibindo investimentos - ao contrário do que era pretendido pela NME -, elevando o risco-país e a taxa de juros de longo prazo. A partir desse ponto, temos, em 2015, uma recessão sem muitos precedentes no Brasil. 


Dada uma inflação de mais de 10% e uma Selic de 14,25%, o produto caiu em 3,55% naquele ano, categorizando um momento de estagflação - ou seja, inflação e estagnação econômica, um fenômeno complexo e contraditório, dado que, convencionalmente, um período recessivo é acompanhado por um baixo nível de preços.



Figura 5: Inflação brasileira de 1995 a 2021





Outros indicadores sociais demonstram a deterioração na qualidade de vida do povo brasileiro, especialmente da parcela com menos poder aquisitivo. Enquanto o produto caía e a população crescia, houve uma redução de, aproximadamente, 9% no PIB per capita até 2016, apontando o empobrecimento populacional. No caso do desemprego, a taxa média de 2015 foi de 8,5%, a de 2016 foi 11,5% e, em 2017, 12,7%, representando uma nação sem emprego e sem perspectivas de melhora. Tal cenário mostra que, além das crises econômica e política, o Brasil também passava por uma crise social.



Figura 6: Manifestantes na cidade de São Paulo pedem o impeachment da presidente Dilma Rousseff



Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil - Wikimedia Commons 


Desse modo, ao final de 2015, foi protocolado o pedido de impeachment de Dilma Rousseff por alegações de crime de responsabilidade fiscal, devido às chamadas "pedaladas fiscais" - que configuram uma forma de manobra contábil consistindo no atraso do repasse de verbas a bancos públicos e privados para cumprir metas fiscais. Até que, no dia 31 de agosto de 2016, Dilma Rousseff foi destituída definitivamente da presidência após um extenso processo de impeachment. A partir desse momento, o cargo de presidente foi assumido por Michel Temer, que ocupava, até então, a vice-presidência do país.



Figura 7: Dilma Rousseff e Michel Temer em dezembro de 2015



Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil Wikimedia Commons


Sendo assim, o novo governante iniciou seu mandato com mudanças significativas e mais austeras quando comparadas aos governos anteriores. Dentre elas, Temer propôs a Reforma da Previdência, que só foi efetivada pelo seu sucessor, Jair Bolsonaro. Além disso, aprovou o Teto de Gastos - regra fiscal que substituiu a meta para o resultado primário -, a Reforma Trabalhista e a Reforma do Ensino Médio. 


Quanto à situação econômica do país, assim que tomou posse, o presidente afirmou que seu principal desafio era "estancar o processo de queda livre na atividade econômica". Apesar de, mesmo com as reformas, não conseguir reduzir substancialmente o desemprego, Michel Temer encerrou seu governo com queda na inflação, redução da taxa de juros para 6,50% ao ano e crescimento do PIB após a retração de 2014 e de 2015.


Por fim, podemos perceber que a grande recessão brasileira de 2014 a 2016 resultou de um cenário externo desfavorável e, majoritariamente, de uma série de medidas econômicas equivocadas. Sua recuperação foi lenta e, pouco depois, o país foi novamente atingido por uma crise recessiva, causada pela pandemia da COVID-19 em 2020. 


Apesar das altas expectativas, vemos que o Brasil nunca conseguiu viver o que foi planejado para ele. Vítima de administrações pouco eficazes, agendas sociais mal executadas, escândalos de corrupção e de políticas econômicas falhas, o país se afundou progressivamente em sua ineficiência. Ainda assim, os erros do passado devem servir como aprendizados para a construção de um presente promissor e de um futuro de segurança socioeconômica, merecido pelo povo brasileiro. Dessa maneira, daqui a um tempo, talvez o Cristo Redentor possa aparecer na The Economist em um vôo estável.




Bibliografia:


Aos 2 anos, governo Temer festeja economia, mas enfrenta impopularidade, denúncias e crise política; relembre. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/aos-2-anos-governo-temer-festeja-economia-mas-enfrenta-impopularidade-denuncias-e-crise-politica-relembre.ghtml>. 


BARBOSA FILHO, F. DE H. A crise econômica de 2014/2017. Estudos Avançados, v. 31, n. 89, p. 51–60, 2017. 


Brasil enfrenta pior crise já registrada poucos anos após um boom econômico. Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/brasil-enfrenta-pior-crise-ja-registrada-poucos-anos-apos-um-boom-economico.ghtml>. 


Brasileiro deve começar a sentir no bolso alta de preços logo após as eleições. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/economia/brasileiro-deve-comecar-a-sentir-no-bolso-alta-de-precos-logo-apos-as-eleicoes>.


Como ficou a “agenda positiva”. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2013/08/como-ficou-agenda-positiva.html>. 


‌DE PAULA, FLÁVIO ALVES. As causas da Grande Recessão Brasileira (2014 – 2016). Universidade Federal de Uberlândia. Disponível em: <https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/26518/3/CausasGrandeRecess%C3%A3o.pdf>


Impeachment de Dilma Rousseff. Disponível em: <https://www.fflch.usp.br/36581>. 


Impeachment de Dilma Rousseff marca ano de 2016 no Congresso e no Brasil. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/12/28/impeachment-de-dilma-rousseff-marca-ano-de-2016-no-congresso-e-no-brasil>.

 

O aumento da conta de luz e os fantasmas do governo Dilma que ainda assombram nosso presente. Disponível em: <https://www.infomoney.com.br/colunistas/terraco-economico/o-aumento-da-conta-de-luz-e-os-fantasmas-do-governo-dilma-que-ainda-assombram-nosso-presente/>. 









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