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Wal-Mart: A extraordinariedade do simples

Felipe Elgarten


A maioria das coisas que fiz foram copiadas de outros

- Sam Walton.


Delatada fora de contexto, a banalidade da frase acima salta aos olhos. Não parece que foi transmitida, com orgulho, pelo fundador e ex-CEO da maior empresa do mundo, o Wal-Mart. Em 2022, sua receita excedeu os 600 bilhões de dólares e sua equipe ultrapassa a casa dos 2 milhões de funcionários.


Nascido em Oklahoma em 1918, Sam trilhou sua vida pelo centavo. Um homem simples, encontrou sua maior vitalidade no comércio. Dedicou sua vida à família e às lojas que comandava, estabeleceu uma filosofia ordinária de negócios e transformou o que era pensado sobre varejo para sempre.


Antes de falecer, transcreveu sua trajetória e fórmula de sucesso na autobiografia “Sam Walton: Made in America”. O sucesso, no entanto, pouco se diferencia de impressões óbvias que podem ser inferidas sobre uma iniciativa empreendedora sob a ótica mais leiga possível. Para Sam Walton, um negócio não precisaria ser orientado pelos 4 P’s ou 5 C’s do marketing ou qualquer outro modelo capaz de impulsionar um projeto, sua vivência bastava - era um processo orgânico.


Seus “lemas” passam por ser o primeiro a despertar e começar a trabalhar, manter controle e organização de sua loja, reconhecer e pessoalmente conhecer sua concorrência e garantir uma boa relação não só com consumidores mas também fornecedores. Todos orientados por seu principal driver: a redução de preços. Tão simples que parece fácil. Para Walton foi fácil, mas não é para qualquer um.


MADE IN AMERICA


A figura de Sam Walton é uma que se enquadra na do tradicional americano do século passado. Seu diferencial, no entanto, era a mentalidade: enviesada à evolução de suas técnicas, à maximização de sua eficiência e ao cuidado com o próximo.


Em 1942, foi reprovado pelo exército americano e perdeu a oportunidade de representar os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Magoado, decidiu tocar a vida nos EUA e adquiriu uma franquia da loja de departamentos Ben Franklin em Newport, Arkansas - cidade que, na época, era considerada grande para Sam e sua família.


Figura 1: Ben Franklin, Newport.

Fonte: Walmart History.


Sua capacidade de se comunicar com outros era fora do comum, atraía consumidores na lábia. Além disso, sempre buscava estar próximo da concorrência, checando preços e conversando com donos de outras lojas para melhor entender sua operação e superá-la.


Ao longo dos anos, foi expandindo as lojas de departamento até que, em 1960, controlava 9 lojas Ben Franklin e faturava mais de um milhão de dólares por ano. Walton fazia questão de visitar sazonalmente suas controladas, colocando profissionais de confiança, mesmo que não sejam os mais qualificados, para tocar os negócios de maneira ordenada.


Walton acreditava na manutenção da qualidade de cada loja que possuía. Para tal, visitava periodicamente cada estabelecimento para se certificar de que o trabalho estava sendo de modo contundente com sua estratégia. Dado que a locomoção nos arredores do Arkansas em 1950 não era a mais eficiente por terra e demandava horas que poderia estar trabalhando, comprou um avião. Como já gastara o suficiente com a aeronave, que não poderia ser caracterizada como luxuosa, se licenciou para pilotar e economizou também no piloto.


Em suas viagens intermitentes, sempre buscava levar algum potencial sócio ou gerente de franquia para que pudesse conhecê-lo melhor e, mais importante, fazê-lo entender o que Walton enxergava como modus operandi para que pudesse implementar caso assumisse.


São em ações como essas que se observa o nível em que Sam Walton realizava negócios, facilitando o entendimento acerca de seu sucesso. Havia sempre uma preocupação com a formação de sua equipe, sua governança. Sam tornava associados em amigos e amigos em família. Um de seus pilares era garantir o bem-estar do trabalhador para que desempenhasse da melhor maneira possível seu trabalho, fazendo com a produtividade daqueles sob seu comando fosse estimulada.


Figura 2: Anúncio da reabertura de uma das lojas em jornal local.

Fonte: Walmart History.


Sam visava sempre a redução de custos e competitividade com o mercado, na época dominado pelo Kmart. Faltava a ele o controle sobre a oferta, muitas vezes prejudicado por ser subordinado à corporação Ben Franklin, que impunha contratos com fornecedores que nem sempre ofereciam os melhores produtos sob melhores preços de mercado. Decidiu, portanto, expandir.


O SURGIMENTO DE UMA IDEIA


A onda de lojas de departamento parecia abaixar conforme o setor mostrava indícios de saturação e concentração. Então, Sam optou por iniciar seu próprio empreendimento, já tendo estabelecido laços com fornecedores, adquirido o princípio de uma equipe pelas lojas Ben Franklin e, mais importante, tendo conhecido seu consumidor.


Não havia glamour. As comunidades, primordialmente rurais, as quais Walton servia em suas lojas de departamento, queriam os menores preços. Então, ele funda lojas de desconto. Lojas de desconto baseiam-se no proveito de liquidação de estoques para oferecer ao consumidor um produto com o menor preço possível e que apresenta alta rotatividade em sua prateleira. Um modelo extremamente dinâmico fundamentado em uma ideia simples, redução de custos.


Em 1962, Sam Walton inaugurou o primeiro Wal-Mart em Rogers, Arkansas.


Figura 3: Abertura.

Fonte: Walmart History.


Ao maximizar o excedente de seu consumidor, a marca garantia uma melhora no bem-estar econômico das famílias que compram do Wal-Mart. Assim, não demorou até que a capilaridade do empreendimento se expandisse e a operação crescesse sem precedentes.


Cinco anos após o lançamento, retinha um total de 24 lojas, contabilizando suas lojas de departamento. Em 1969, todas as lojas foram transferidas a Walmart Stores Incorporation, operadas sob a mesma orientação de varejo - desconto - e a mesma filosofia de trabalho - menores preços, menores custos e maior fidelidade.


Parece simples, porque é simples.


Aliás, o óbvio é tão brilhante que não conseguimos vê-lo”, afirmam Jorge Paulo Lemann e Carlos Alberto Sicupira nas notas iniciais da biografia de Sam Walton.


No final não parece ser tão simples.


AS LOJAS DE DESCONTO


As lojas de desconto fazem jus ao nome, oferecem produtos aos clientes por preços baratos, comprados a wholesale e em queima de estoque. As prateleiras dos primeiros Wal-Marts eram sazonais, variavam de acordo com a oportunidade que fornecedores proporcionavam às lojas de oferecer determinado produto por um preço inferior ao de mercado.


A dinamicidade implementada por Walton fez com que seu empreendimento se tornasse um sucesso. Com estabelecimentos na região Sul dos Estados Unidos em um cenário majoritariamente rural, havia poucos players capazes de entregar à população local um serviço plural como oferecia o Wal-Mart.


Em um setor extremamente pulverizado na região, tocado por empreendimentos familiares direcionados, como farmácias, marcenaria e mantimentos, o Wal-Mart oferecia uma alta variedade de produtos por preços mais acessíveis. Conforme crescia, garantia maior eficiência de distribuição e era capaz de eliminar players menores por onde passava.


A abertura de uma nova loja do Wal-Mart em mais uma cidade de pequeno porte trazia consigo uma ambiguidade fortíssima. Por um lado, clientes eufóricos por ampliarem sua qualidade de vida, os quais, muitas vezes, já viajavam para consumir o serviço que Walton oferecia em outras cidades, e, por outro, empreendimentos familiares, contando os dias para que suas portas se fechassem por não conseguirem competir com os preços do novo shark da cidade.


O mark-up do Wal-Mart aumentava cada vez mais, juntamente ao número de lojas e market share. Vinha se deslocando da região do Arkansas pela qual começou, mas mantinha seu hub em Bentonville, mantendo-se fiel às origens. Em 1972 a empresa foi listada na NYSE e permanece até os dias de hoje.


Sam Walton viria a se tornar o homem mais rico do país, segundo a revista Forbes em 1985. Um indivíduo que passava despercebido. Não gastava nem gostava de aparecer.


CONSOLIDANDO UMA REDE


O crescimento da companhia era majoritariamente orgânico. Walton adquiria lojas de cunho similar em regiões sub-penetradas, mas focava no reinvestimento de seus ganhos na expansão e aprimoramento de sua operação. No final dos anos 70, já passara a abrir 100 lojas por ano e poucos após já passava das 150 anuais.


Até então, as lojas eram pequenas e nem sempre ofertavam tudo que o cliente necessitava em uma viagem de compras. Em uma de suas expedições, Sam Walton visitou lojas do Carrefour, no Brasil. Supermercados enormes que integravam itens de construção à hortaliças, com grande variedade de produtos. A posteriori, o Wal-Mart lançou o Supercenter, adotado até os dias de hoje por grande parte dos players de varejo em loja física nos Estados Unidos. Afinal, grande parte de suas ações foram copiadas de outros.


Em 1980, tornou-se líder em varejo nos EUA, status que se mantém até a atualidade, mais de quatro décadas depois. Atualmente, a rede é composta por 11.000 unidades, incluindo Sam’s Club - lojas focadas em mercadorias por atacado que requerem uma anuidade por parte dos clientes, uma experiência mais exclusiva. Sua teia se expande além dos EUA, tendo atuação em países na África, América Central, China e Índia, por exemplo. Segue a filosofia de baixos preços em comunidade com menor poder de compra.*


Figura 4: Distribuição de lojas do Wal-Mart nos Estados Unidos.

Fonte: ScapeHero.


Notadamente, a grandeza do Wal-Mart e sua escala se traduz não apenas no dia a dia da companhia, mas a cultura que gerenciava. A corporação representa o modelo americano de se realizar negócio à risca. Para eles, o investidor era chave do negócio e não deixavam a desejar no espetáculo.


Figura 5: Reunião de Relações com Investidores em 1979.

Fonte: Business Insider


Figura 6: Reunião de Relações com Investidores em 2016, com presença de 14.000 pessoas.

Fonte: Business Insider.


RETROVISOR


Por mais que tenha estabelecido hegemonia nos últimos anos, despontando frente a concorrência de companhias fortes como a Target, Kohl’s e Amazon, novas tendências vêm ditando o ritmo do consumo ultimamente e incomoda a líder do setor.


A pandemia trouxe consigo um legado que alterou os hábitos de consumo e vem remodelando os alicerces que compõem a filosofia de varejo. O disparo da demanda por produtos de forma virtual fez com que provedoras cada vez mais buscassem atingir canais de vendas eficientes do mesmo modo que seria presencialmente. Para o cliente é fácil bater na porta do outro, basta logar em outro site que traga maior satisfação e eficiência de compra. Começa a busca por omnicanalidade, mais conhecida como omnichannel.


A omnicanalidade é a maior preocupação de empresas do setor atualmente, e para o Wal-Mart não é diferente. A Amazon é a líder em e-commerce nos EUA há tempos. Antes de 2020, enfrentava empresas segmentadas como eBay e Alibaba. Com a pandemia, players focados na operação física passaram a estabelecer canais de compra online e se impuseram como uma dor de cabeça à Amazon, que gerou mais de 500 bilhões de dólares em receita em 2022 e recebeu mais de 1.700 bilhões de visitas em seu website americano somente em Fevereiro de 2023. O eBay, por outro lado, recebeu 510 milhões de visitas no mês, superado em 3x pelo seu competidor direto.


Com a cultura de consumo se alterando, a projeção é de queda no crescimento de unidades físicas do Wal-Mart com o investimento em Inteligência Artificial e processamento de dados para aprimorar sua plataforma de e-commerce cada vez mais e manter sua posição de mercado. Chatbots são exemplos do impacto da tecnologia nos padrões do consumo virtual e se apresentam como um reflexo do atendimento que o cliente teria na loja presencial. O setor de varejo é extremamente fluido, em constante adaptação. Definitivamente os padrões de consumo serão mais complexos ainda nas próximas décadas e a iniciativa bilionária de Sam Walton terá de surfar novas correntes para se manter de pé.


Fiel à filosofia original que sucede há mais de 60 anos, a companhia segue buscando no e-commerce a prioridade do cliente, maior eficiência de distribuição e menores preços. Seu desempenho até aqui é excelente, caindo atrás somente da Amazon e do eBay em interações digitais. Quadro fruto do investimento em uma equipe qualificada perante um mercado de trabalho ainda escasso de mão de obra enviesada ao desenvolvimento de softwares e websites. Dada escala e visão da companhia, é capaz de virar a chave juntamente aos competidores mas sair na frente para alimentar seu omnichannel e bater de frente com a velha guarda do varejo digital.


A reabertura da economia chinesa é outra pulga ao Wal-Mart na medida em que povoa o mercado de competidores fundamentados sobre o varejo digital e carregam experiência diferencial. Durante a pandemia, companhias como a Shein e Shopee passaram a ser reconhecidas mundialmente. Mais focadas na moda, oferecem peças por preços mais baratos que de mercado e muitas vezes são a melhor opção para o consumidor de menor poder aquisitivo.


Um novo player recém chegado aos Estados Unidos, Pinduoduo (PDD Holdings Inc.), desbancou gigantes do mercado chinês como a Alibaba e JD.com e promete alcançar a Amazon. Suas “prateleiras” compõem produtos variados, como o Wal-Mart ou qualquer loja de departamentos oferece, porém a preços mais baixos ainda. Além disso, busca se aproveitar de um modelo “C2M” (Consumer to Manufacturer) pelo qual a produção ocorre a partir de demanda específica, logo é realizada “sob medida” para o consumidor e evita a acumulação de estoques. Apresenta um quê interessante acerca do consumo experiencial, incorporando diversão às compras.


Pinduoduo founder Colin Huang said in the company’s 2018 IPO prospectus that he’d tried to create a model combining aspects of Costco with Disneyland


- Grady McGregor para o Yahoo!Finance.


A China sempre foi um pé no sapato dos americanos e dificilmente sua ascensão no território não passará por medidas protecionistas, o que dá uma certa largada a empresas locais. No entanto, não remove essa e outras empresas de varejo digital do retrovisor do Wal-Mart.


Durante décadas, o Wal-Mart estabeleceu tendências para o varejo nos Estados Unidos e no mundo. O "feijão com arroz" bem feito de Sam Walton, hoje nas mãos de Doug McMillon (o atual CEO), se mostrou eficaz e transformou uma pequena administração de lojas de departamento franqueadas na maior rede de comércio da modernidade. Dessa vez, todavia, é o Wal-Mart que terá de se adequar a tendências do segmento, e, apesar de liderá-lo por sua potência física, encontrará pedras no caminho para se manter firme. Nada que seja difícil para quem faz parecer fácil.



Referências Bibliográficas


WALTON, S.; HUEY, J. Sam Walton, made in America. Alta Books, 2017.


WALMART. History. Disponível em: <https://corporate.walmart.com/about/history>.


‌WOOD, R. How Walmart’s Pricing Strategy Has Made It A Dominant Force As The World’s Largest Retailer, 2023. Pricing Insight. Disponível em: <https://pricinginsight.com.au/walmarts-pricing-strategy/#:~:text=Low%20Price%20Leadership>.‌


McGREGOR, G. The largest Chinese e-commerce company you have never heard of is about to enter the U.S. with a model to challenge Amazon’s dominance, 2022. Yahoo!Finance. Disponível em:

<https://finance.yahoo.com/news/largest-chinese-e-commerce-company-102003079.html>.


FARRÉ, K. What Made Walmart So Successful?: Lessons from one of the world’s largest retailer, 2020. Better Marketing. Disponível em:

<https://bettermarketing.pub/what-made-walmart-so-successful-1f39c1b585a8>.


‌Walmart Investor Relations. Investor Relations. Disponível em: <https://stock.walmart.com/home/default.aspx>.


BEST, R. 5 Key Suppliers of Walmart, 2022. Investopedia. Disponível em: <https://www.investopedia.com/articles/insights/050116/walmart-stock-analyzing-5-key-suppliers-wmt.asp>.

FELONI, R. How the Walmart shareholders meeting went from a few guys in a coffee shop to a 14,000-person, star-studded celebration, 2017. Business Insider. Disponível em:

<https://www.businessinsider.com/history-walmart-shareholders-meeting-2017-6#after-that-initial-coffee-shop-meeting-in-1970-waltons-financial-consultant-mike-smith-convinced-him-he-needed-to-throw-an-actual-event-1>.



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