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A autonomia do Banco Central

Atualizado: 26 de mar. de 2021

Por Felipe Jatahy e Felipe Rocha


No dia 24 de fevereiro de 2021, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei CP-19, que estabelece a autonomia do Banco Central do Brasil (BCB). No entanto, o que isso quer dizer?

Alan S. Blinder, ex diretor do Federal Reserve (banco central americano), define autonomia de um banco central como:

  • O banco central tem liberdade para escolher quais instrumentos usar para atingir seu objetivo.

  • As decisões tomadas pelo banco central são dificilmente reversíveis.

A definição, embora simples, possui ramificações que geram décadas de debates entre os economistas. Nesse artigo, analisaremos essas ramificações, assim como a importância e as consequências da autonomia de um banco central.

Os bancos centrais são instituições financeiras responsáveis por estabelecer políticas monetárias que afetam a oferta de moeda e crédito do país. A história dos bancos centrais começa no século XVII, com a criação do Risbank (Suécia), que desde sua formação foi operacionalmente independente, ou seja, sempre teve autonomia. Ao contrário dele, o Banco Central da Inglaterra (Central Bank of England) foi criado em 1694 como uma “joint stock company”, com a função de comprar dívidas do governo britânico, e só obteve sua autonomia em 1998.

No Brasil, o Banco Central nasceu em 1964 como uma instituição autônoma, com intuito de controlar a inflação e fazer uma boa gestão de políticas monetárias. Entretanto, durante a ditadura militar, o BCB deixou de ser independente, e, desde então, esse debate tornou-se comum entre os economistas brasileiros.

Ao longo dos anos, diversos instrumentos diferentes foram usados por bancos centrais para fazer política monetária e controlar a inflação. No entanto, é possível destacar um método bastante usado ao longo da história por diversos países diferentes. Ele consiste na utilização de âncoras nominais para restringirem os valores da moeda doméstica. Sendo tida como principais: agregados monetários, taxa de câmbio e as metas para inflação.

Um conceito de suma importância para melhor compreensão da ação das âncoras nominais é o do trilema da economia aberta, que diz que é impossível um país optar, ao mesmo tempo, por uma perfeita mobilidade de capitais, taxa de câmbio fixa e política monetária independente, sendo necessário escolher apenas dois destes itens. Pode-se dizer que a partir de 1999, assim como a maioria das grandes economias mundiais, o Brasil adotou uma postura com certa mobilidade de capitais, política monetária independente e regime de câmbio flutuante.

A primeira âncora baseia-se no controle de oferta de determinado agregado monetário, como o papel moeda e títulos públicos, para controlar as expectativas de inflação. O sistema já foi usado pelo FED e pelo Banco Central da Inglaterra, porém foi abandonado em 1982 devido à grande dificuldade no controle de tais agregados. Apesar disso, há casos de sucesso como o da Alemanha e da Suíça, que por mais de 20 anos conseguiram manter estabilidade de preços por meio de um sistema de comunicação eficiente e foco na inflação do longo prazo.

A âncora nominal da taxa de câmbio é definida pela fixação de determinada moeda doméstica em uma commodity, como o ouro, ou nos valores da moeda de um país de inflação baixa, como o dólar. Apesar do país que pareia sua moeda em uma taxa de câmbio estar sujeito a ataques especulativos e perder independência da política monetária, justamente devido ao trilema da economia aberta, tal âncora pode ser muito benéfica para sua credibilidade, devido à clareza e simplicidade da política. Por esses motivos, há diversos casos de sucesso como do Brasil entre 1994 e 1998. Com a implementação do Plano Real, foram utilizadas diversas âncoras nominais para apagar a memória inflacionária.

Por último, temos o sistema de metas para inflação, a âncora mais utilizada atualmente pelas autoridades monetárias mundo afora. Esse sistema foi primeiramente implementado pelo Banco Central da Nova Zelândia em 1990 e consiste em anúncios de metas para a taxa de inflação no médio prazo. Dessa maneira, a política monetária como um todo fica mais transparente, e consequentemente a comunicação com o público também. Esse sistema foi implementado no Brasil em 1999 por Armínio Fraga, que na época presidia o BCB. Todo ano, o Comitê Monetário Nacional se reúne para fixar a meta e seu intervalo de tolerância para os próximos 3 anos, usando a taxa de juro básica da economia (Selic) como o principal instrumento de política monetária para atingir a meta.

A intuição por trás do uso da taxa de juros para atingir a meta de inflação não é tão complexa. A taxa Selic é a taxa de juros básica e, por isso, afeta todos os mercados de crédito da economia. Em um momento em que a inflação está alta, um aumento na taxa Selic contribuirá para a queda dos preços. Isso ocorre pois o custo de tomar um empréstimo fica maior, logo, os consumidores, as empresas e o próprio governo reduzem seu consumo. Com um menor consumo, há uma menor demanda por produtos na economia e, consequentemente, uma queda dos preços. O contrário ocorre em caso de redução da taxa selic, sendo assim, o nível de atividade econômica tende a subir.

A cada 45 dias o COPOM (Comitê de Política Monetária), formado pelo presidente e os diretores do BCB, se reúne para definir a taxa Selic. Para a tomada de decisão são utilizados diversos parâmetros como: cenário externo, atividade econômica, expectativa de inflação, política fiscal, assim como outros riscos analisados pelas autoridades monetárias.

Além da autonomia perante o governo, é de extrema importância que um banco central seja autônomo em relação aos mercados, isto é, tome suas decisões baseadas em dados fundamentados e não se deixe afetar pelas expectativas do mercado. Para que isso seja possível, é importante entender que as políticas monetárias funcionam através dele, logo, sua aprovação é relevante para formulação de políticas. Entretanto, muitos economistas entendem que se o BC se esforçar demais para agradar a visão a curto prazo do mercado, ele corre o risco de se encontrar em uma situação inesperada a longo prazo.

Nos últimos anos, é possível destacar 2 casos em que os mercados pediram mais ação do BC e estavam errados. Em setembro de 2015, Alexandre Tombini, então presidente do BC, resistiu à pressão altista do mercado que exigia uma subida de juros rápida dos 14,25% ao ano para níveis mais perto de 20%, o que poderia ter sido desastroso em todo cenário de recessão econômica que vivíamos na época. No entanto, ao se pronunciar que não iria subir os juros, conforme havia sido pedido pelos mercados, a curva de juros futuros caiu rapidamente. Em 2018, outro presidente do BC, Ilan Goldfajn, viveu um cenário parecido quando foi pressionado a subir os juros, depois que a taxa de juros disparou, acompanhando o dólar. Em um cenário de baixo crescimento econômico, Ilan sinalizou que só reagiria à alta do dólar caso ela ameaçasse as expectativas de inflação, o que nunca aconteceu. Nestes dois cenários, a economia brasileira inteira sofreria caso o BC sucumbisse a tal pressão, no entanto, como bons gestores de políticas monetárias, Tombini e Ilan acertaram em não agradar ao mercado naquele momento, priorizando o efeito a longo prazo.

Outra discordância entre os economistas diz respeito à correlação da independência do BC com a inflação. O estudo feito por Cukierman, Webb e Neyapti em 1992 entende que um baixo grau de independência contribui para uma inflação alta, enquanto De Haan e Van’t Hag (1995) concluíram que altos níveis históricos de inflação contribuem para uma maior independência dos bancos centrais. Todavia, um estudo elaborado por Capie, Mills e Wood (1994) concluiu que a autonomia de um banco central é um fator para se obter baixos níveis de inflação, porém não necessário: bancos centrais sem independência também obtiveram tal resultado.

Uma variável que também tem grande correlação com a autonomia do banco central é o crescimento econômico do país. Estudos empíricos mostram que essa autonomia pode estimular o crescimento do mercado no longo prazo, entretanto, existem discordâncias. O que é consenso entre os economistas é que a estabilidade de preço é essencial para o crescimento econômico. Assim, estudos feitos por economistas como Grimes(1991), Fisher(1993) e Barros(1995), concluem que a inflação descontrolada reduz o crescimento econômico de um país. Enquanto isso, Alesina e Summers em 1993 realizaram um estudo que acordava que um banco central independente estaria menos propício a fazer um política “stop-and-go”(taxas de expansão do PIB que alternam fases de crescimento mais acelerado e desacelerado) que consequentemente limitaria as flutuações do crescimento econômico.

Além disso, um fator a ser considerado é a credibilidade de um banco central autônomo. Alesina e Summers também entenderam que bancos centrais independentes são mais críveis, e assim os custos de políticas desenvolvidas para combater a inflação seriam reduzidos. Isso ocorreria porque um banco central crível iria ter um grande impacto nas expectativas dos agentes, fazendo, por exemplo, a razão de sacrifício em um combate à inflação ser bem menor. Na teoria faz sentido, no entanto, muitos pesquisadores já procuraram resultados empíricos relacionando nível de independência dos BC's e credibilidade e não encontraram. Um estudo conduzido por Debelle e Fisher conclui que bancos centrais autônomos não têm mais credibilidade, e sim aqueles que fazem condutas coerentes com suas metas e que se demonstram continuamente fortes, sejam eles independentes ou não.

Ademais, a autonomia traz inerentemente um importante questionamento: seria democrático uma instituição como o banco central ser tão independente? Afinal, os seus representantes não são eleitos pela população, mas indicados por políticos. Há certas medidas que são tomadas pela autoridade monetária visando tornar o banco menos autoritário possível.

A primeira delas é que uma decisão tomada pelo Banco Central não é irreversível, apenas muito difícil. Em nosso projeto de lei, elas só poderão ser revertidas em caso de maioria qualificada, isto é, dois terços mais um, do Congresso Nacional. Este talvez seja o ponto mais importante para manter a independência do BCB, já que suas decisões não são meramente políticas e visam um projeto de longo prazo, algo que não é bem compreendido por políticos nas vésperas de eleições. Portanto, tal irreversibilidade das decisões do BCB protege a política monetária nacional de viés político.

Um segundo ponto que faz um banco central independente consistente com a democracia é o fato dele não determinar suas metas/diretrizes, estas são determinadas por lei, o que torna o Banco Central subordinado ao Congresso Nacional. No exemplo brasileiro, a lei determina como os objetivos do BCB “Promover a estabilidade de preços, fomentar o pleno emprego, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e zelar pela estabilidade e eficiência do sistema financeiro". O papel do BC é utilizar os instrumentos adequados para atingir as metas fixadas pelo Congresso Nacional, democraticamente eleito.

Em terceiro lugar, é o presidente do país que decide quem será o presidente do Banco Central. Dessa maneira, há um respaldo de legitimidade democrática na escolha do indivíduo à frente da autoridade monetária do país, visto que ele foi escolhido por quem foi eleito democraticamente.

Um quarto ponto que vale ser mencionado é o fato da independência do Banco Central ter sido um projeto sancionado e aprovado pelos deputados federais eleitos. Não houve nenhuma imposição ou abuso de poder nessa decisão, logo, não há motivos para crer que não esteja de acordo com os princípios democráticos.

Por último, para legitimar a sua independência, é necessário que o Banco Central seja extremamente transparente com a população. Isso ocorre por meio de diversas ferramentas, tais como: atas das reuniões do COPOM se tornando públicas, divulgação do resultado financeiro mensalmente, assim como cartas abertas em caso do não cumprimento da meta de inflação.

Esse último ponto, no entanto, não é consenso entre os economistas e banqueiros centrais. Muitos argumentam que certo misticismo sobre a maneira como o Banco Central toma sua decisão é importante para o bom funcionamento da política monetária e que uma grande transparência poderia vir a ser prejudicial para a autoridade monetária. Porém, é importante lembrar que o Banco Central deve servir ao interesse da nação e, portanto, deve sim explicar suas ações. Caso o BCB continue sendo independente, não há motivos para crer que uma grande transparência em relação às suas ações irão ser maléficas, além disso, caso as decisões das autoridades monetárias sejam eficientes e corretas, não será difícil explicá-las para a população.

Um segundo aspecto importante em relação à maior abertura do Banco Central é a respeito de recompensas e punições. Assim como qualquer empresa listada em bolsa, onde os executivos são recompensados de acordo com os resultados apresentados, o Banco Central deveria agir usando princípios semelhantes. Tais incentivos fazem com que cada trabalhador da empresa se sinta parte do negócio e ajuda no alinhamento dos seus interesses com o da empresa, a mesma lógica funciona para a autoridade monetária. Sendo o Banco Central o principal agente responsável pelo gerenciamento macroeconômico de um país, a realidade deste pode ser julgada pela população quase todos os dias. O "bônus" de uma política monetária eficiente seria a aprovação por parte da população, mas para isso é necessário grande transparência da autoridade monetária para que qualquer cidadão tenha acesso aos dados e resultados, caso deseje fazer uma análise mais aprofundada.

Conforme mencionado, no dia 24 de fevereiro de 2021, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei CP-19 que estabeleceu a autonomia do BCB. Entretanto, quando se observa o projeto dessa independência, é possível notar que ele não foi executado da melhor maneira possível. A proposta visa muito mais “agradar a plateia” do que verdadeiramente tornar o BC mais eficiente. Além do mais, especialistas acreditam que certos detalhes do projeto sugerem que a autonomia almejada provavelmente não será alcançada.

Em primeiro plano, é valioso ressaltar que os mandatos são curtos, apenas quatro anos. Assim, o Presidente, caso tenha dois mandatos, escolherá novamente seu presidente do BC, podendo , inclusive , escolher o mesmo. As consequências dessa estrutura é que o presidente do BC que quiser permanecer vai ter que agradar o Executivo, o que comprometeria sua autonomia.

O projeto também muda o status do presidente, que deixa de ser considerado um ministro. As consequências disso podem ser vistas com olhares positivos ou negativos. O que é bem provável que aconteça, é que voltaremos a ver dirigentes do BC se escondendo de todas as maneiras possíveis para que ele não seja encontrado pelo oficial de justiça. Quando o presidente do banco central perde seu cargo de ministro, ele passa a ficar vulnerável a processos em primeira instância, o que faz esse ser tratado pela justiça como um cidadão normal. Adicionalmente, quando o presidente do BC perde o cargo de ministro, ele deixa de ter o direito de mandar projetos de lei à casa civil, assim terá que buscar alguém que possa fazer por ele, o que não condiz com o ideal de autonomia.

Um outro ponto importante que vale ser mencionado em relação ao projeto é o seu duplo mandato, isto é, perseguir duas metas opostas. A lei complementar Nº 179, determina como objetivos do Banco Central "assegurar a estabilidade de preços" e "fomentar o pleno emprego", no entanto, isso é uma grande contradição econômica. A curva de Phillips, no curto prazo, mostra justamente uma correlação negativa entre desemprego e inflação. Isto ocorre, porque com uma maior taxa de desemprego, há uma redução da demanda agregada e assim a pressão sobre os preços também cai. Além disso, as políticas monetárias são consideradas expansionistas ou contracionistas levando em consideração a taxa de juros neutra, aquela que mantém a inflação estável e o pleno emprego. Caso o BC decida baixar os juros abaixo da taxa de juros neutra do país, esta é uma política expansionista, que irá acelerar a inflação e reduzir o desemprego. Sendo assim, caso o BC opte por subir os juros acima da taxa de juros neutra, é de se esperar uma redução na taxa de inflação e um maior desemprego, resultados de uma política contracionista.

Evidencia-se, portanto, que a autonomia do BC tem diversos efeitos na economia, tanto na redução da volatilidade das expectativas quanto na trajetória futura das variáveis macroeconômicas, diminuição do prêmio de risco dos ativos nacionais e o aumento da segurança da sociedade diante de uma inflação inesperada. Ademais, a independência do BC também assegura uma credibilidade adquirida ao longo dos anos mais consolidada, conquistada junto a uma duradoura melhoria na gestão e qualificação do corpo técnico. No governo Dilma, por exemplo, isso não foi feito, e o BC ficou submisso à pressão política, e assim muita credibilidade foi perdida. Em contrapartida, é de altíssimo valor entender que para que tudo isso ocorra, esse processo precisa ser feito com cuidado e que o desenho de lei seja adequado. Nesse sentido, entende-se que a autonomia formal do Banco Central for feita corretamente, ela trará diversos pontos positivos para a economia.




Bibliografia:










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