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Papel dos governos em tempos de crise

Atualizado: 22 de jan. de 2021

Autores: Gabriel Cunha, Julia Abreu e Rodrigo Freitas.


A pandemia do novo coronavírus provocou não só enormes perdas materiais, mas principalmente humanas, no mundo inteiro. Em meio ao cenário desastroso no qual a economia de grande parte dos países foi inserida, a discussão acerca da possibilidade de essa se tratar da maior crise econômica desde a crise de 29 foi aquecida entre os especialistas. Durante toda a história, a economia foi marcada por ciclos de expansão e contração e diversas medidas foram adotadas em situações diferentes para minimizar os efeitos desastrosos das crises para a população.

Existem diversas linhas de pensamento distintas que buscam apontar como lidar com as crises. Acredita-se que elas muitas vezes ocorrem de forma cíclica, sucedendo um período de elevada expansão. No entanto, diverge-se bastante quanto à forma apropriada a ser adotada no que se diz respeito ao retorno ao equilíbrio. Os clássicos acreditam que a situação voltaria naturalmente à normalidade através do reajuste de preços. Por outro lado, os Keynesianos, ao reconhecerem a viscosidade dos preços e salários, defendem a intervenção estatal como forma de influência sobre a demanda, os empregos e os investimentos. Esse texto visa, portanto, a estudar exemplos de crises dos últimos 100 anos e quais medidas foram tomadas como forma de mitigar os seus efeitos.

Primeiramente, é importante falar da Grande Depressão, uma das maiores, se não a maior, crise econômica de toda a história. O colapso econômico que marcou o fim dos Roaring Twenties levou a uma intensa crise no mundo todo, mas, principalmente, nos Estados Unidos. Com a Primeira Guerra Mundial, o país da América do Norte assumiu o papel de provedor para toda a Europa, já que as suas unidades produtivas foram totalmente destruídas com o conflito. Assim, os EUA tornaram-se grandes exportadores e passaram por muitas inovações tecnológicas dado o crescimento da demanda, reforçando a sua hegemonia econômica da década de 20. Nesse contexto, o “American way of life” desenvolveu-se em um ritmo nunca antes visto.

Com isso, durante os anos 20, a Europa passou por um intenso processo de reconstrução com todas as remessas de capital estadunidense para incentivar sua economia e garantir a reconstrução das unidades produtivas. Isso fez com que, no final dessa década, ela já estivesse muito mais autossuficiente e não precisasse tanto das importações de produtos vindos dos EUA para se sustentar, reduzindo a demanda. No entanto, em 1928, os primeiros sinais de que a prosperidade tinha uma data limite começaram a surgir na Europa. Assim, os Estados Unidos foram os escolhidos como o grande destino dos investimentos, uma vez que o exterior já apontava sinais de instabilidade. Isso levou o mercado financeiro a crescer exponencialmente: o índice Dow Jones Industrial Average aumentou de 191 para 381 pontos no período do fim de 1928 até setembro de 1929. Nesse período, o preço de inúmeras ações mais do que dobrou, uma vez que as remessas de capital enviadas ao exterior diminuíram bastante.

A partir desse ponto, a crise que já se iniciava na Europa foi agravada com a redução dos estímulos estadunidenses, que levou ao fim definitivo da branda recuperação dos países europeus no pós-guerra, diminuindo ainda mais as suas importações. Quando investir capital no exterior tornou-se menos atraente, as bolsas estadunidenses passaram por uma situação de crescimento exponencial, mas muito por conta do que era chamado de “comportamento excessivamente especulativo”. A postura do “buying on margin” se popularizou a partir desse momento pelas pessoas que buscavam beneficiar-se da alta generalizada do mercado, mas não tinham condições próprias de investir no momento. Com isso, realizaram muitos empréstimos para incentivar os investimentos. Isso gerou um cenário insustentável no mundo dos investimentos, com altíssimo risco e que precisava ser controlado para evitar danos piores. Assim, o Fed viu-se diante de duas alternativas: aumentar a taxa de juros, o que poderia provocar um agravamento da crise econômica europeia, ou manter os juros como estavam, o que faria com que o problema no mercado financeiro continuasse. Priorizando a situação doméstica, o Banco Central optou por elevar excessivamente as taxas de juros para que retirassem ao menos parte do dinheiro do mercado de ações. Dito e feito, no final de outubro a bolsa havia perdido tudo o que havia conquistado nos últimos dois anos e a economia como um todo entrou em uma espiral de queda.

Para muitos, a crise de 29 pode ser resumida na seguinte posição: o mercado estava otimista demais, as pessoas estavam otimistas demais e, com isso, construiu-se um cenário excessivamente especulativo que, eventualmente, encontrou o seu colapso. O que se iniciou como o que pensavam ser uma crise cíclica que prosseguiria um momento de prosperidade econômica já estava traçando o seu caminho para o que iria ser visto como a pior crise econômica da história.

O valor de produtos agrícolas e manufaturados despencou por todo o mundo, o que levou à adoção de medidas distintas por diferentes países como forma de lidar com a crise que se espalhava e agravava. No Brasil, Canadá, Argentina e Austrália, a reação dos governos foi desvincular sua moeda do padrão-ouro tendo em vista a queda dramática nos preços das commodities. Nos governos de países industriais, a postura foi bastante diferente: não fizeram nada. Até o momento, pensava-se que essa funcionaria como uma crise cíclica como todas as outras, dizendo que a recessão iria se autocorrigir, então bastaria deixar o mercado seguir o seu curso. Eles esperavam que os preços e salários iriam cair e, posteriormente, o nível de emprego e de consumo poderia aumentar novamente pela lei da oferta e da demanda. Assim, a única ação foi feita por parte dos bancos centrais, que buscaram impor um breve período de austeridade, forçando as quedas nos preços e salários pelo aumento da taxa de juros como uma forma de acelerar o processo liquidacionista.

No entanto, os resultados foram bastante diferentes do que se esperava: a economia já não funcionava da mesma forma do pré-guerra e, com isso, os instrumentos de controle não eram mais os mesmos. Essa mudança no paradigma já fora prevista por Keynes: depois dos anos 20, os preços e salários sofreram uma redução significativa da sua flexibilidade. Isso ocorreu pois, com os surgimentos de oligopólios - que optavam por manter os preços relativamente elevados em menores quantidades - e sindicatos - os quais reivindicavam salários mais elevados, mesmo que às custas do aumento da taxa de desemprego -, outros fatores passaram a interferir também nas dinâmicas entre a oferta e demanda e não se podia mais deixar o mercado de restabelecer sozinho. Nesse caso, a deflação não mais era vista como uma forma de solução e tornou-se também parte do problema: os preços e salários continuaram em queda, mas o desemprego continuava crescendo sem nenhuma perspectiva de melhora, ao menos em um futuro próximo. A produção industrial caiu cerca de 40% em 3 anos, a queda do PIB dos EUA entre 1928/1929 e 1932/1933 foi de 30% e o desemprego chegou a atingir a taxa de 25%.

Em 1933, a economia mundial estava em seu pior momento; a política adotada até então por grande parte dos governos de deixar o mercado se reparar sozinho. Com isso, outras alternativas também começaram a ser consideradas como forma de superar a crise. Entre elas, estava a lógica desenvolvida por Keynes. Para ele, o Estado é um importantíssimo agente da economia e, assim, o governo poderia adotar inúmeras políticas como forma de estímulo. Nos EUA, suas ideias foram implementadas no governo de Franklin D. Roosevelt, com o New Deal.

O “Estado de bem-estar social”, implementado com a política de maior intervenção estatal na economia, foi o caminho encontrado para a recuperação estadunidense na década de 30. As medidas foram tomadas com o intuito de diminuir o desemprego e aumentar a demanda através de transferências de renda para a população. Implementou-se o seguro-desemprego e instituiu-se um salário mínimo como forma de aumentar o poder de compra da população. Além disso, criou-se também uma regulamentação do mercado financeiro como forma de tentar evitar um excesso especulativo como o de 1929 e também criaram-se estratégias de controle da produção para evitar tamanho excedente de oferta, como o que originou a crise. Outro artifício adotado pelo Estado como forma de superar a crise foi o estímulo da economia através da criação de novos empregos. Assim, muitas obras públicas de infraestrutura, como a construção de ferrovias, estradas e pontes, foram feitas para diminuir a taxa de desemprego.

Com isso, é possível afirmar que a crise de 29 foi um verdadeiro divisor de águas no modo que o governo passou a lidar com os colapsos econômicos. Antes, quando não havia tanta viscosidade em preços e salários, a ferramenta de simplesmente deixar o mercado retomar os seus rumos até apresentava uma certa eficiência, mas depois das mudanças promovidas nos Roaring Twenties a estrutura social e econômica da sociedade mudou de tal forma que tornou essa medida, ou ausência de tal, ineficiente. Apesar de a recuperação ainda ter sido demorada depois da adoção da política de bem-estar social, a principal conclusão tirada da crise é que, de fato, o Estado é um grande agente econômico, cujos gastos são importantíssimos para a movimentação da economia e a adoção de políticas monetárias e fiscais expansionistas são primordiais para a retomada em situações de colapso.

Como pudemos observar, a crise de 1929 não foi ocasionada por uma falta de sorte, eventos naturais ou uma pandemia, como no caso da crise atual, mas, sim, por uma série de más escolhas dos mais diversos agentes econômicos. Seguindo essa linha da Grande Depressão, considerada a maior crise econômica da história recente, devemos abordar a Grande Recessão, considerada a maior crise pós 29, e também causada por uma série de decisões erradas.

A crise financeira de 2007-2008, também chamada de Grande Recessão, Crise do Subprime, ou apenas Crise de 2008, foi a mais longa desaceleração econômica desde a Segunda Guerra Mundial. A Grande Recessão se iniciou nos Estados Unidos em dezembro de 2007 e perdurou até junho de 2009, ao longo desse período o PIB real americano sofreu uma queda de 4,3% e a taxa de desemprego no país que era de 5% em dezembro de 2007 atingiu 9,5% em junho de 2009. A crise de 2008 tratou-se de uma crise financeira global, afetando não apenas a economia americana, mas também a de diversos outros países ao redor do mundo.

As causas para a Crise de 2008 se iniciaram anos antes de sua explosão com a adoção de taxas de juros baixíssimas que permitiram a formação de uma bolha imobiliária nos Estados Unidos e ao redor do mundo. No período entre maio de 2000 e junho de 2003, o Banco Central Americano (FED) baixou a taxa de juros alvo de 6,5% para 1%, inundando a economia com crédito barato.

Um dos resultados dessa política de crédito foi uma espiral ascendente nos preços de imóveis, uma vez que os compradores se aproveitaram das baixas taxas de hipoteca. Com o mercado imobiliário a pleno vapor, os bancos resolveram criar hipotecas de alto risco para atender novos segmentos de clientes, criando o chamado crédito “subprime”. O subprime é uma modalidade de crédito de risco concedida a tomadores que não apresentam garantias suficientes para comprovar sua adimplência, os chamados Subprime Borrowers ou ninja (no income, no job, no assets). Os subprimes funcionavam como uma forma de empréstimo de segunda linha para o setor imobiliário que possuía taxas mais altas e alienava a residência do tomador caso ele não conseguisse arcar com seus compromissos. Sabendo da possibilidade de inadimplência, as instituições financeiras vendiam as hipotecas para bancos de investimento, estes transformavam os créditos de alto risco em derivativos e os lançavam no mercado financeiro. Desta forma títulos como os CDS (Credit Default Swap) e CDO (Collateralized Debt Obligation), lastreados em hipotecas que provavelmente nunca seriam pagas, inundaram o mercado financeiro.

Os CDOs eram compostos por um conjunto de títulos de hipoteca, sendo que alguns deles chegavam a ser formados 95% por hipotecas subprime, com alto risco de inadimplência. Apesar do risco, as agências reguladoras classificavam esses títulos com o critério máximo (AAA), disseminando péssimos ativos pelo mundo. Essa classificação ocorria devido ao fato dos CDOs serem compostos por uma mistura entre uma grande quantidade de hipotecas de alto risco (B, BB e BBB) e algumas de baixo risco (AA e AAA). A vasta quantidade de hipotecas contidas em um mesmo CDO e a diversificação das mesmas fazia com que o título aparentasse ser bastante seguro. Os CDOs chegaram a se tornar um produto financeiro tão popular que havia até mesmo os CDO ao quadrado (CDO-squared) lastreados pelas tranches emitidas por outros CDOs. Incentivando ainda mais a tomada de risco dos bancos, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, em outubro de 2004, reduziu os requisitos de capital (capital líquido mínimo que deve ser mantido por um banco) para 5 bancos de investimento, sendo eles o Goldman Sachs, Merrill Lynch, Lehman Brothers, Bear Stearns e Morgan Stanley. Esse afrouxamento dos requisitos de capital permitiu que esses bancos alavancassem 30 ou até 40 vezes seu capital inicial.

Diante dessa conjuntura, em 2004, 69,2% dos americanos possuíam um imóvel, número recorde na história do país. O problema foi que em junho do mesmo ano o FED começou a subir as taxas de juros novamente, até que atingisse 5,25% dois anos depois, em 2006. Com isso, um número enorme de subprime borrowers não conseguiu arcar com seus compromissos, levando-os a entregar suas casas para os bancos financiadores. Os bancos então colocavam as casas à venda, porém com o número cada vez maior de casas sendo colocadas no mercado, a oferta superou a demanda e o valor dos imóveis começou a cair vertiginosamente. Com o valor das casas em queda livre, mesmo aqueles compradores que possuíam condições de continuar pagando suas hipotecas deixaram de pagar, pois entendiam que o valor que estavam pagando ia muito além do preço dos demais imóveis no mercado. Dessa forma, os bancos começaram a não conseguir reaver o dinheiro do crédito que haviam feito por meio da venda dos imóveis e também não recebiam mais o pagamento das hipotecas, chegando em uma situação de insolvência. A partir desse momento, os bancos que haviam concedido os empréstimos de subprime começaram a falir, havendo mais de 25 falências entre fevereiro e março de 2007. Os títulos de CDO e CDS comprados por investidores pessoa física e bancos de investimento passaram a não possuir valor nenhum, levando a um efeito dominó que resultou em uma crise total do mercado financeiro.

Entre junho de 2006 e junho de 2009 o preço dos imóveis nos Estados Unidos caiu 30%, enquanto o índice S&P 500 desvalorizou 57% entre outubro de 2007 e março de 2009. Em setembro de 2008, o famoso banco de Wall Street, Lehman Brothers, colapsou, marcando a maior falência da história dos Estados Unidos e se tornando um símbolo da devastação causada pela crise de 2008. Diante da gravidade da chamada Grande Recessão, tanto no que diz respeito a suas causas quanto, principalmente, suas consequências, faz-se necessário analisar como esse cenário foi revertido, sobretudo no que diz respeito ao papel dos governos no enfrentamento dessa crise.

Os Estados Unidos, assim como diversas outras nações, promulgaram programas de estímulos fiscais utilizando diferentes combinações de gastos governamentais e cortes de impostos. Entre os programas americanos, dois dos mais relevantes foram o Economic Stimulus Act of 2008 e o American Recovery and Reinvestment Act of 2009.

A resposta do governo americano para a crise evoluiu com o tempo e se deu por meio de vias consideradas “não-tradicionais”. Inicialmente, o Federal Reserve empregou políticas “tradicionais” no intuito de conter a crise, sendo uma delas a redução da taxa de juros alvo de 5,25% em setembro de 2007 para 0,25% em dezembro de 2008. Entretanto, essa rápida e acentuada redução nos juros não trouxe os efeitos esperados, resultando, na verdade, em um rebaixamento acentuado das perspectivas econômicas, incluindo até mesmo o risco de deflação.

Com a taxa de juros diretora extremamente baixa no final de 2008, o FED começou a se utilizar de declarações públicas para prover forward guidance (prescrição futura) de forma a sinalizar ao mercado que os juros permaneceriam naquele patamar por um bom tempo. Essa sinalização tinha como objetivo promover estímulos monetários através da diminuição da taxa real de juros e do aumento das expectativas de inflação (ou, pelo menos, enfraquecendo os prognósticos de deflação).

Em adição ao método de forward guidance, o FED também se utilizou de outras duas políticas “não-tradicionais” para solucionar a crise, sendo elas os programas de “Credit Easing” para facilitar o fluxo de crédito e diminuir seu custo, e os programas de “LSAP” Large Scale Asset Purchase.

Para a realização desses programas não-tradicionais de Credit Easing, o Banco Central Americano se utilizou da “Seção 13(3)” do Federal Reserve Act, complemento à Lei do Fed, autorizado pelo Congresso em 1932, que permitia ao Conselho de Governadores, em "circunstâncias incomuns e exigentes" e sob outras condições, autorizar os bancos de reserva para estender crédito a pessoas físicas, parcerias e empresas. Dessa forma, o Fed usou essas autorizações durante a crise financeira de 2007-09 para introduzir uma série de novos programas de empréstimos, considerados não-tradicionais, direcionados a mercados específicos onde as elevadas pressões de financiamento aumentaram as taxas de juros. Antes da Grande Recessão, quando os bancos tomavam emprestado do Federal Reserve, eles geralmente pagavam uma taxa de juros publicada chamada de taxa de crédito primária, ou "taxa de desconto". A taxa de desconto foi geralmente mantida em uma margem fixa de 1 ponto percentual acima da meta do Federal Reserve para a taxa de juros, a taxa de mercado sobre empréstimos interbancários de saldos de reserva. Em agosto de 2007, quando surgiram pressões em certos mercados financeiros, especialmente mercados de financiamento a prazo, o Federal Reserve reduziu a taxa de desconto de 6,25% para 5,75%, um nível 0,5 ponto percentual acima da taxa de juros directora da época, 5,25%.

Os programas de LSAP, compra de ativos em larga escala, se iniciaram em novembro de 2008, quando a taxa de juros directora estava próxima de zero. Nesse mês, o Federal Reserve anunciou que compraria MBSs (mortgage-backed securities ou contratos garantidos por hipoteca) e dívidas pertencentes a agências governamentais dos EUA, relacionadas à habitação, como o Fannie Mae, Freddie Mac e bancos federais de empréstimos imobiliários. A escolha da compra desses ativos visou reduzir o custo e aumentar a disponibilidade de crédito para aquisição de habitação. Essas compras tinham como intuito reaquecer o mercado imobiliário, epicentro da crise e da recessão, além de ajudarem a melhorar as condições financeiras de maneira mais ampla. O plano inicial do Fed era efetuar a compra de até 500 bilhões de dólares em mortgage-backed securities de agências e até 100 bilhões em dívidas de agências. Em março de 2009, o Comitê Federal de Mercado Aberto americano também anunciou um programa para comprar 300 bilhões de dólares em títulos do tesouro de longo prazo, concluindo essa compra em outubro do mesmo ano.

Com a soma desses programas citados, o Federal Reserve gastou cerca de 1.75 trilhões de dólares em ativos de longo prazo, algo inédito na história americana. A partir dessas medidas, e com o passar do tempo, a Grande Recessão pode ser contornada, tendo se encerrado em junho de 2009 de acordo com o National Bureau of Economic Research (NBER).

Enquanto a crise do subprime, originada em um determinado setor dos Estados Unidos, contaminou os negócios gradativamente pelo risco de crédito, o caos evidenciado pelo COVID-19 teve contágio e aceleração de impactos imediatos. Além disso, a crescente econômica global que antecipou 2008 armou o mundo com taxas de juros mais elevadas, em média, do que foi visto em fevereiro de 2020. Essa condição facilita as atividades dos Bancos Centrais em usar o corte das taxas de juros como primeira medida emergencial em crises financeiras. Por não ser encontrado nos precedentes da pandemia, o âmbito fiscal ganhou maior relevância, dado que os países com mais espaço para gastar possuem vantagem na recuperação econômica.

Diante da pandemia da COVID-19, os países ao redor do mundo tiveram de executar diversas medidas de caráter sanitário, visando conter a disseminação do vírus dentro das sociedades. A determinação do distanciamento social em grande parte dos países impactou diretamente as economias. Esse processo se desencadeou através da proibição de atividades presenciais, e então, paralisação de muitos setores produtivos. Dessa forma, vislumbrando o prisma econômico do cálculo do PIB, a queda na oferta de bens e serviços instigou uma redução no consumo, e logo uma retração na renda. Portanto, pessoas com menos capital para gastar, demandam menos bens e serviços, e em escala global, construiu-se um choque profundo de oferta e demanda.

No âmbito sanitário, os Estados tinham como principal papel a disponibilização de equipamentos de proteção contra a doença, como máscaras e álcool gel, e a criação de hospitais de campanha para suprir a demanda por leitos hospitalares. Essa responsabilidade social foi adotada e implementada na maioria dos países, em consonância com as indicações da Organização Mundial da Saúde (OMS), conforme a doença se alastrava por seus respectivos territórios. A efetividade dessa pauta, evidentemente, variou sobre o desenvolvimento das nações.

A viabilização do acesso aos equipamentos essenciais ao enfrentamento da pandemia foi divergente entre alguns Estados. As discussões sobre congelamento dos preços destes produtos movimentaram especialistas de múltiplas áreas globalmente. O “sim” para a realização dessa política era combatido com o argumento de desestímulo produtivo, enquanto o “não” era respondido com a grande alta dos preços destes artigos. No Brasil, a medida não foi adotada e visualizou-se uma valorização de até 161% nas máscaras e álcool em gel. Já na Itália, um dos primeiros centros de preocupação da doença, o governo local decretou o congelamento e adentrou em forte embate com os produtores do setor, obtendo algumas baixas na oferta.

A inaplicabilidade das atividades presenciais e a reclusão residencial da sociedade influenciou drasticamente o ramo empregatício e de produção. O Brasil visualizou uma crescente de aproximadamente 30% do nível de desemprego, durante quatro meses da pandemia. Particularmente, a participação informal no trabalho representa 40% da População Economicamente Ativa (PEA), sendo o impacto ainda mais amplo e doloroso. Outrossim, a indústria corporativa teve suas fontes de receita extintas, logo o risco de crédito e funcionamento se tornaram altíssimos, tendo muitas companhias envolvidas em pedidos de recuperação judicial, outras obrigadas a encerrar suas operações e imbróglios financeiros.

Nesse cenário, analisando as alternativas capazes de evitar um colapso econômico, os governos decidiram atuar por meio de estímulos fiscais e monetários. Grande parte dos países desenvolvidos e emergentes tiveram seus Bancos Centrais reajustando as taxas básicas de juros para valores próximos a zero, além de disponibilizar pacotes de transferência de renda para suas populações e estímulos de crédito e tributos ao meio corporativo. A ideia central desse plano era amortecer os impactos causados pelo vírus e fornecer recursos para que as pessoas pudessem atravessar esse momento de calamidade em condições básicas de sobrevivência. Então, ilustrando esse tópico, o Federal Reserve lançou alguns pacotes de estímulos durante a pandemia, que alcançaram um valor equivalente a cerca de 12% do PIB norte americano, sendo aproximadamente 2 (dois) a 3 (três) trilhões de dólares. Na Europa, as grandes nações também intervieram com assistências volumosas durante a primeira onda e, assim como os Estados Unidos, parte destas preparam novos incentivos para sustentar a segunda onda da COVID-19.

No Brasil, a instabilidade política e econômica proveniente dos últimos mandatos gerou uma complexa discussão sobre gastos e despesas durante a pandemia. O país desembolsou cerca de 8% a 10% do PIB, percentual estimado em nações desenvolvidas com estabilidade financeira consolidada, em maioria. Parte destes incentivos, enviados à sociedade em transferência de renda no programa de Auxílio Emergencial, deveriam, apenas, suprir as perdas financeiras dos trabalhadores informais, desempregados e pessoas com baixa renda. No entanto, o valor determinado pelo Estado, aumentou a renda efetiva das pessoas, realizando um gasto maior do que o necessário. Nesse aspecto, vide a vigoração do teto de gastos em 2017, o Ministério da Economia discute a reformulação dessa medida com o Poder Executivo, estabelecendo um confronto técnico e político. O alongamento desse choque por todo o período pandêmico, somado a manutenção temporária da diligência, posicionou a dívida pública em um patamar representante de 90-100% do PIB. Então, o possível rompimento do teto de gastos é gradativamente mais relevante, sendo responsável por moderar o risco do quadro fiscal brasileiro para os anos seguintes.

O Banco Central do Brasil apresentou sua proposta de medidas combatentes aos efeitos pandêmicos em três grandes bases: programas de crédito, liquidez e políticas monetárias e cambial. A atuação do principal órgão financeiro do país estabeleceu como uma das metas para o sucesso do planejamento, a sustentação de um sistema bancário líquido, estável e capitalizado, visando manter um bom funcionamento do mercado de crédito. Adiante, reduziu a taxa básica de juros, o recolhimento de compulsórios e demais regulamentações, conferindo maior facilidade de reestruturação das instituições financeiras, objetivando a melhora das atividades no âmbito de liquidez. Nessa perspectiva, a implementação de empréstimos com lastro em debêntures, criação de linhas de crédito especiais, aumento do capital de giro e outras ferramentas complementam a estrutura idealizada para atravessar a crise.

Fonte: Banco Central.


Grande parte dos países desenvolvidos articularam modelos semelhantes ao do Brasil, variando em alguns mecanismos para consolidar tais objetivos. Portanto, em algumas nações, a conectividade entre as políticas monetárias e fiscais, fundamental para o sucesso do combate ao caos, ocorreu através de níveis diferentes, uma vez que muitos Bancos Centrais possuem independência diante dos respectivos Estados. Outra decisão adotada por alguns Bancos Centrais foi a injeção monetária na compra de títulos públicos. O próprio Federal Reserve aplicou US$ 700 bilhões, visando moldar um cenário com maior volume de capital circulante na economia, e assim, buscar algum impulso positivo.

No meio empresarial, os estímulos foram encaminhados em série e fragmentos diferentes. A exemplo do Brasil, o Estado conferiu mecanismos facilitadores para a concessão de empréstimos, expansão da capacidade dos bancos para renegociação de dívidas e manutenção do fluxo fiscal e monetário, isenção ou postergação de impostos e novos programas de linhas de crédito. Esse conjunto de ações amenizou parcialmente os prejuízos causados pela inaptidão à produtividade habitual, entretanto não alcançou a recuperação de inúmeras firmas, criando um desconforto ao empresário e seus empregados. Essa reação em cadeia construiu o cenário brevemente abordado.

Um exemplo de atuação em segmentos específicos ocorreu quando o Ministro da Economia, Paulo Guedes, aprovou um plano para “salvar”o setor de aviação. O projeto consistiu, essencialmente, na solvência de problemas financeiros fomentados por uma queda da receita vide a redução de 90% nos tráfegos. A ideia de execução foi conceder empréstimos na faixa de R$6 a R$10 bilhões, por meio de debêntures conversíveis e ações. O ministro informou que 75% do valor seria aplicado nas debêntures e 25% nos papéis das empresas, fazendo com que o Governo se tornasse sócio temporário de algumas companhias, vendendo suas participações paralelamente às suas recuperações. Esse método evitou uma grande exposição ao risco, dado que caso houvesse sido feito o financiamento, o Estado estaria atrelando 60% capital ao dólar, em um momento de profunda instabilidade. Além deste, demais segmentos foram auxiliados heterogeneamente, através de modelos apropriados para cada especificidade, como o crédito garantidor de estocagem para o setor sucroalcooleiro e financiamentos em sustentação de projetos do setor cultural.

Apesar de todo esse conjunto de ações financeiras, a retração econômica foi profunda em grande parte dos países. As projeções negativas de PIB ao redor do mundo oscilaram de acordo com os países, assim como o endividamento dos Estados acerca dos gastos emergenciais. Com o passar do tempo, o avanço do conhecimento científico sobre a doença e as perspectivas de vacina para o primeiro semestre de 2021 evidenciaram maior previsibilidade ao futuro da economia mundial, quando comparado a ignorância inicial do vírus. Ainda sim, o desafio da gestão fiscal e monetária dos países é altamente desafiador, capaz de alterar certas relações econômicas para os próximos anos.

As três grandes crises em questão, originadas por sequência de falhas em atividades financeiras ou efeitos externos a esse cenário, possuem fortes intervenções estatais. A profundidade do caos fiscal e monetário gerado em cada uma delas exigiu dos governos uma atitude mais participativa, tanto por meio de estímulos, quanto por mecanismos de taxas de juros e demais artifícios econômicos. Entretanto, a diferenciação em velocidade, risco e alcance proporcionou uma heterogeneidade entre cada situação, inclusive nos pontos de semelhança.

Por fim, é notável que cada crise possua suas particularidades, e portanto, novos desafios a serem atravessados. A experiência temporária no mercado pode conferir alguma vantagem comportamental e de imediata reação aos veteranos. Logo, existe a certeza da vivência de um momento atípico e inédito, o qual requer estratégias e compreensões divergentes de crises passadas. Inclusive, diferentemente dos exemplos abordados, as atuações do Estado não se fixam a fortes intervenções econômicas, podendo influenciar, de forma protagonista, diversas áreas desconectadas do mundo financeiro.




Fontes Bibliográficas:





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