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A Resiliência da Bolsa Em Tempos De Crise e Sua Relação com o Lucro Das Empresas

Atualizado: 25 de jan. de 2021

Bernardo Soares & Vinícius Abreu | 23/04/20


Momentos de crises econômicas representam tempos difíceis não apenas para investidores da bolsa, como também para todos os profissionais em atividades que movimentam a economia de um país. Isso se deve, em uma primeira análise, ao fato de ocorrer um aumento no número de desempregados, concomitantemente a uma recessão provocada por uma diminuição da oferta ou da demanda, já que menos insumos estão disponíveis e mais desemprego gera uma diminuição da renda, o que, por fim, também decresce a demanda pelos produtos.


No entanto, é imprescindível levar em consideração a origem, o tamanho e a profundidade destas crises, que não necessariamente são desencadeadas por fatores econômicos e nem sempre possuem uma longa duração ou um impacto muito grande para os meios de produção. É o caso da atual crise provocada pela Covid-19 que estamos enfrentando neste momento, cuja extensão e impactos para a economia mundial ainda são um pouco incertos. Diferentemente das outras, esta foi provocada por um vírus com alta capacidade de disseminação, o que fez com que a população de diversos países entrasse em lockdown - como forma de impedir sua propagação - paralisando inúmeros meios produtivos.


Estagnações como essa que estamos presenciando - de origem na saúde da população mundial - ocorrem raramente, fazendo com que muitos gestores de empresas, que nunca haviam experimentado esse tipo de desafio e complicações, possam não saber como reagir. Por conta da diminuição da demanda, a receita das firmas decresce substancialmente, fazendo com que as companhias se movimentem rápido para cortar o máximo de custos possíveis e salvar suas saúdes financeiras, que já serão afetadas, de qualquer forma, por conta dos custos fixos e pelo tempo necessário até a diminuição dos custos variáveis.


É indubitável, no entanto, que cada empresa possui uma preparação diferente para enfrentar uma instabilidade, assim como também reage a ela de maneiras distintas. Empresas pequenas tendem a sofrer mais durante esses períodos, uma vez que ainda possuem menos caixa, capital e meios disponíveis para sobreviver durante esse tempo em que suas receitas chegam a ser mínimas, enquanto que as grandes empresas, por outro lado, possuem maior capacidade para sobreviver durante um período de tempo prolongado.


Nesse sentido, o objetivo deste artigo é avaliar a resiliência das Bolsas de Valores durante as crises, que refletem o comportamento das empresas que possuem capital aberto. Normalmente, este é o primeiro mercado afetado durante uma instabilidade, devido ao pânico dos investidores para se livrarem dos títulos de companhias e diminuírem suas perdas. Para sustentar nosso estudo, analisaremos o comportamento histórico destes mercados, em outros períodos de crise, ao mesmo tempo que exploraremos a forma com que as Bolsas se relacionam com a evolução dos lucros das empresas nesses momentos.


Em uma primeira abordagem, para compreender o funcionamento da Bolsa de Valores, é preciso entender o que ela representa. Simplificadamente, a Bolsa se trata de um mercado organizado onde investidores negociam ações e outros valores mobiliários. Seus preços, então, são determinados pela lei da oferta e da demanda. Se a demanda por determinada ação é alta durante um dia, o preço desta se valoriza. Caso contrário, ocorre uma desvalorização. Essa dinâmica explica as grandes oscilações dos ativos ao longo do tempo. Ademais, a Bolsa se trata de um meio pelo qual a firma pode obter um financiamento para seus projetos, apenas disponibilizando pequenas frações de suas companhias para que seus investidores se tornem seus sócios. Desta forma, ela pode não precisar se financiar por meio de dívidas com bancos ou outros agentes.


Em uma análise mais aprofundada, pode-se dizer que o desempenho de longo prazo das ações na Bolsa de Valores é determinado pelo crescimento da empresa; este, por sua vez, reflete a eficiência e organização desta, que a permite gerar lucro tanto para seus sócios quanto para reinvestimento nela própria. Muitos renomados gestores que seguem a estratégia de Value Investing, como Warren Buffett e o brasileiro Henrique Bredda, acreditam que, por mais que o medo e otimismo mexam com os preços todos os dias, o que importa de fato para a empresa e para os acionistas são os lucros, dividendos e geração de caixa que ela consegue obter. Abaixo, podemos observar ainda mais claramente essa relação, analisando os gráficos do lucro total das empresas dos EUA, desde a década de 1940, junto com o desempenho histórico do índice S&P 500, que reflete a performance das 500 maiores companhias dos Estados Unidos cotadas na Bolsa, neste mesmo período. Os números do gráfico se encontram ajustados em valores logarítmicos, como forma de facilitar a comparação.

Fontes: https://fred.stlouisfed.org/series/CP,

https://finance.yahoo.com/quote/%5EGSPC/history?p=%5EGSPC


Dessa forma, em momentos de crise, devido ao pânico generalizado e ao transtorno de liquidez para se desvencilhar dessas ações e evitar a perda em massa de patrimônio, o preço das ações despencam. Assim, investidores perdem parte do seu capital e do seu poder de compra, intensificando que a demanda por produtos diminua, gerando uma queda na produção, aumento do desemprego e, consequentemente, um declínio na receita das firmas. Adiante, se encontra em evidência o gráfico do S&P 500, onde as partes sombreadas representam as principais recessões econômicas da história dos EUA, evidenciando a queda brusca dos ativos durante esses períodos.


Fonte: https://www.macrotrends.net/2324/sp-500-historical-chart-data


Analisando mais a fundo o gráfico, porém, chama a atenção outro fator: em vários desses momentos, o período de declínio das ações foi seguido por períodos de forte alta da Bolsa, num movimento conhecido como “V-Shaped Recovery”. Para entender melhor essa situação, é preciso entender como os diferentes tipos de empresa se comportam durante as crises e, por fim, como esse comportamento é refletido pela Bolsa.


Pequenas e médias empresas - por ainda possuírem pouco capital e estarem em fase de maturação - precisam estar consistentemente produzindo, gerando retornos e reinvestindo seus lucros, até que estes se incrementem em um patrimônio considerável para que a empresa enfrente e sobreviva a momentos de instabilidades e complicações que afetem seus rendimentos, podendo arcar com seus custos até que sua receita se restabeleça.


Todavia, quando essas crises ocorrem em períodos de maturação dessas pequenas e médias empresas, muitas delas se mostram pouco resilientes a esses eventos, já que não possuem uma saúde financeira sólida o suficiente para enfrentar uma queda na produção nacional do país ou do mundo, fazendo com que várias delas se enfraqueçam e quebrem.


Segundo estudos da FEMA, Agência Federal de Gestão de Emergências dos Estados Unidos, dos mais de 27 milhões de empresas norte-americanas em operação, 99% são companhias com menos de 500 funcionários. Essas empresas menores são, sem dúvida, as mais vulneráveis a emergências. De fato, quase 40% das pequenas empresas fecham após um desastre. Por exemplo, a Crise Financeira de 2008 forçou quase 1,8 milhão de pequenas firmas a acabarem com suas operações. Ao observar os gráficos abaixo, podemos perceber a diminuição do número de pequenos estabelecimentos durante essas crises, e que a curva de quebras de empresas se inverte com a de nascimento também durante esses períodos, como foi em 2001 e 2008, nas crises do ataque às Torres Gêmeas e da Crise Financeira e quebra de bancos.



Fonte: https://www.investopedia.com/small-business/10-years-after-financial-crisis-impact-small-business/


Fonte: https://www.investopedia.com/small-business/10-years-after-financial-crisis-impact-small-business/


Ademais, uma parte expressiva da força de trabalho se encontra nas pequenas e médias empresas. Nos EUA, em 2014, 26,5% da mão-de-obra trabalhava nas médias companhias - com 100 a 2499 funcionários, enquanto que 34,3% se encontrava nas pequenas empresas - com menos de 100 trabalhadores. Somente durante a Crise de 2008, 8,7 milhões de empregos foram perdidos. Desse total, 60% fazia partes dessas firmas. De forma geral, isso mostra como os altos números de desemprego durante esses momentos recessivos são também provocados por estabelecimentos desses portes.


Agravando ainda mais essa situação, se encontra o fato de que essas companhias, durante esses períodos, possuem ainda mais dificuldade para conseguir crédito do que as grandes empresas. Até 2008, os empréstimos bancários dados às pequenas empresas cresciam na ordem dos dois dígitos, enquanto que, deste ano até 2011, esse valor ficou próximo de zero, devido a um maior risco de não pagamento (Risco de Default). A diferença do total de empréstimos a pequenas firmas, entre o segundo trimestre de 2008 e o segundo trimestre de 2010, foi de 40 bilhões de dólares. No gráfico abaixo, é possível observar essa redução dos empréstimos efetuados para pequenas empresas por parte dos bancos, durante esse momento:


Average Percentage Change in Dollar Amount of Small Business Loans by Large and Small Banks, 1995 to 2015



Por outro lado, grandes empresas, apesar de também serem afetadas durante essas crises e acabarem com várias vagas de trabalho, possuem uma melhor saúde financeira, patrimônio, caixa e capital de giro para sobreviverem durante estes períodos. A Apple, por exemplo, possui uma reserva de capital atual de aproximadamente 100 bilhões de dólares, suficientes para financiar toda sua área de Pesquisa e Desenvolvimento, além de cobrir o seu orçamento de gastos financeiros pelos próximos quatro anos. Junto com as outras gigantes da tecnologia, como Alphabet, Microsoft, Facebook e Amazon, esse valor supera 350 bilhões de dólares.


Dessa forma, com todos esses recursos, elas podem arcar com seus custos em tempos ociosos sem serem severamente prejudicadas. Além disso, momentos assim proporcionam uma oportunidade para essas companhias se reestruturarem, podendo diminuir seus custos fixos, alterar seus modelos de negócio e otimizar sua produção. Algumas, até, conseguem manter ou, senão, aumentar seus lucros durante esses períodos.

Num estudo da empresa de consultoria Bain&Company, que classificou 3900 companhias no mundo todo entre 2003 e 2007, foi analisado seus comportamentos durante a Crise Financeira, dividindo-as entre vencedoras e perdedoras, de acordo com suas performances durante a crise. Nele, as vencedoras apresentaram um aumento de 17% na taxa anual de crescimento (CAGR, Compound Annual Growth Rate) durante o período recessivo, comparado com 0% entre as perdedoras. Ainda mais, no período pós-crise, essa taxa foi de 13% entre o primeiro grupo e 1% entre o segundo. O gráfico abaixo demonstra essa situação.



Além disso, este estudo mostrou que 89% das companhias norte-americanas diminuíram seus lucros durante essa crise quando comparado com períodos estáveis. No entanto, dos 11% restantes, 47% cresceram substancialmente mais seus lucros durante essa recessão do que nos outros períodos regulares.


Tendo em vista esses pontos, pode-se entender que momentos de fortes crises econômicas, ao mesmo tempo em que impactam a economia como um todo de modo muito negativo, causando desemprego em massa, diminuindo a renda total e levando à falência milhares de empresas, também servem como oportunidades para o fortalecimento e crescimento das maiores companhias. Essa oportunidade se deve ao fato, também, das grandes empresas conseguirem dominar parte do mercado até então ocupado por esses outros estabelecimentos, mas que não conseguiram se manter durante o período mais crítico. Assim, passadas as crises, essas firmas estão mais fortalecidas, com um maior Market Share, maior potencial de crescimento e, por consequência, maior capacidade de gerar lucro. Esse fato será fundamental para entender o comportamento das Bolsas de Valores antes, durante e após esses períodos.


Seguindo nesta linha, portanto, tomemos como exemplo a evolução do lucro (em bilhões de dólares) de três grandes empresas dos Estados Unidos, de diferentes setores, desde 1997, englobando crises da Ásia, a explosão da Bolha Tecnológica em 2001 e o ataque às Torres Gêmeas, além da Crise Financeira de 2008, para demonstrar como elas se comportaram ao passar essas instabilidades e a relação de longo-prazo da evolução do lucro das firmas com relação à evolução do preço das suas ações.



Fonte: https://finance.yahoo.com/


Ao analisar esses gráficos, podemos perceber as similaridades do comportamento dos preços das ações com relação à lucratividade da empresa no longo-prazo. Essas três companhias, ainda que de áreas de atuação totalmente diferentes, vêm apresentando lucros crescentes desde a data abordada, sendo pouco - ou até nada - abaladas pelas crises enfrentadas durante este período, o que enfatiza o ponto de que as grandes empresas reagem melhor e possuem mais resiliência nesses momentos. Esse comportamento, de fato, não é exclusivo dessas companhias, mas comum às outras firmas desse porte - seguindo as razões abordadas anteriormente. Além disso, os preços de suas ações, de forma geral, acompanham o bom desempenho dessas empresas, apesar das oscilações de curto-prazo.


Entretanto, um ponto essencial que deve ser considerado é que, no geral, os índices não refletem a situação total das empresas do país mas, principalmente, a situação das grandes firmas. Mais ainda, eles tendem a seguir o desempenho das maiores companhias, uma vez que são elas que possuem a maior representatividade na carteira do índice. De fato, percebemos que apenas as 10 maiores empresas, dentre as 500 que compõem o S&P 500, somam um total de mais de 25% da composição da carteira:



Fonte: https://finance.yahoo.com/quote/SPY/holdings/


Por fim, a partir de todos esses fatores, é possível sustentar que, por mais que momentos de fortes crises tenham impactos significativamente expressivos na economia de um país e no total de suas empresas, eles também podem servir para concentrar ainda mais o domínio das maiores companhias no curto, médio ou até no longo prazo. Em resumo, isso se deve - como discutido - pelo fato de muitas pequenas firmas não conseguirem sobreviver a esse choque na demanda mundial, fazendo com que estas fechem suas operações e gerem bastante desemprego; assim, as grandes companhias poderão enxergar uma oportunidade de se reestruturar, aumentar o seu Market Share e a sua lucratividade, quando as atividades econômicas se normalizarem. Com relação à crise que estamos vivendo atualmente, apesar de ter características diferentes das outras, esta poderá vir a trazer um efeito similar. Finalmente, a Bolsa de Valores, por refletir, majoritariamente, o comportamento das grandes firmas do país, pode apresentar uma recuperação relativamente mais rápida do que o esperado ou, até, um potencial de grande crescimento nos períodos que se seguem. Pelo menos, foi essa dinâmica que ocorreu durante a maior parte das crises na história dos Estados Unidos.


Bibliografia:

1- Corporate Profits After Tax (without IVA and CCAdj) , Economic Research, Federal Reserve Bank, 2020. Disponível em:

<https://fred.stlouisfed.org/series/CP>

2- Dow Jones Industrial Average , Economic Research, Federal Reserve Bank, 2020. Disponível em:

<https://fred.stlouisfed.org/series/DJIA>

3- S&P 500 Index - 90 Year Historical Chart, Macrotrends, 2020. Disponível em:

< https://www.macrotrends.net/2324/sp-500-historical-chart-data>

4- S&P 500 Index , Yahoo! Finance, 2020. Disponível em:

<https://finance.yahoo.com/quote/%5EGSPC/history?p=%5EGSPC>

5- 10 Years After the Financial Crisis: The Impact on Small Business, Investopedia, 2020. Disponível em:

<https://www.investopedia.com/small-business/10-years-after-financial-crisis-impact-small-business/>

6- Beyond the Downturn: Recession Strategies to Take the Lead, Bain&Company, 2020. Disponível em:

<https://www.bain.com/insights/beyond-the-downturn-recession-strategies-to-take-the-lead/>

7- Big Tech has the cash to expand after crisis, Financial Times, 2020. Disponível em:

<https://www.ft.com/content/27fdaf5c-f4ab-4a0f-ba9e-038911b49fe8>

8- Small businesses are an anchor of the US economy, JP Morgan Chase & Co., 2020. Disponível em:

< https://www.jpmorganchase.com/corporate/institute/small-business-economic.htm>

9- More Americans Work At Big Firms Than Small Ones, NYS Society of CPAs, 2020. Disponível em:

<https://www.nysscpa.org/news/publications/the-trusted-professional/article/more-americans-work-at-big-firms-than-small-ones-040717>

10- Apple Inc Shares, Guru Focus, 2020. Disponível em:

<https://www.gurufocus.com/financials/AAPL>

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