Bernardo Barroso | 15/04/2018
Derivativos são armas financeiras de destruição em massa - Warren Buffet
Reza lenda que na Grécia Antiga o filósofo Thales fez o primeiro contrato derivativo. Ele e sua contraparte fizeram um acordo baseado nos resultados de uma colheita de olivas do qual o milesiano saiu perdedor. Mais de dois milênios depois, o mercado de derivativos no mundo chega a US$ 500 trilhões de dólares. No entanto, a obscuridade desse instrumento essencial do mercado financeiro ainda é imensa. Tendo vista que hoje a capitalização de derivativos é estimada em cinco vezes maior que o mercado de ações, é essencial que haja um entendimento desses instrumentos por qualquer um que queira compreender ao mínimo o mercado financeiro internacional. É imperativo entender, portanto, o que são essas ferramentas, como elas funcionam, e para que servem.
Como o próprio nome sugere, um derivativo é um contrato cujo valor é baseado em um ativo subjacente. Esses podem ser, mas não são limitados a ações, títulos públicos, ETFs e commodities. Existem hoje, no mercado, quatro tipos principais e distintos de derivativos que podem ser mesclados e alterados para atender necessidades de operadores. Estes são: forwards (a termo), futuros, opções e swaps.
Para entender a diferença entre esses utensílios é preciso, a priori, ter conhecimento das duas formas de comprar e vender um contrato no mercado. A primeira forma, mais conhecida, é um exchange. Ou seja, existe um intermediador entre o comprador e o vendedor, de forma que na maior parte das vezes não existe sequer contato entre as duas partes. O exemplo mais claro disso seria uma pessoa vendendo uma ação na bolsa. Ela jamais saberia quem está comprando a ação. No entanto, existe um outro meio de comercializar um ativo, o mercado de balcão. Conhecido como o over-the-counter market (OTC), essa forma de comercialização é entre duas contrapartes que decidem juntos sobre as circunstâncias do contrato. Isso gera contratos mais especializados e menos genéricos. Muitas vezes é feito uso de uma agência de cobrança para garantir o pagamento entre as duas partes.
Um contrato forward é um acordo entre duas partes no mercado OTC, no qual uma das partes concorda em comprar o ativo subjacente da outra por um preço acordado e em uma data acordada. Por exemplo: a American Airlines (AA) faz um contrato hoje, com a Royal Dutch Shell, para comprar 100 milhões de barris de petróleo a US$ 75 o barril em 6 meses. Dessa maneira, se o preço do petróleo estiver acima de US$ 75 a AA sai melhor, caso contrário ela sai pior. Contratos simples como esse são usados pela esmagadora maioria de companhias internacionais para mitigar riscos. Alguns outros usos desses contratos serão explorados nesse artigo.
Uma transação de um futuro, por sua vez, é exatamente igual a um forward com a ressalva de que são negociados na bolsa. De forma que, a AA não saberia de quem estaria comprando o petróleo, tampouco a Shell saberia para quem está vendendo. As limitações desses contratos, como se pode imaginar, é a menor personalização para as necessidades das contrapartes, de modo que os operadores são forçados a aceitar as durações e preços estabelecidos pela bolsa de sua escolha. Forwards e futuros são os dois derivativos mais simples comercializados.
Um swap, por sua vez, nada mais é do que um acordo para trocar fluxos futuros de caixa. Em outras palavras, uma contraparte do contrato acorda em fornecer um fluxo futuro de caixa e a outra concorda em fornecer outro. Geralmente, um desses fluxos é fixo e o outro dependente de algum ativo subjacente. Um dos swaps mais comuns é o da troca de uma taxa de juros fixa por outra flutuante, que depende de algum órgão para o estabelecer. Por exemplo: a Goldman Sachs entra em um contrato de swap com a JP Morgan Chase para na qual promete pagar uma taxa fixa de 2% de juros anuais em um princípio de US$ 100 milhões por 5 anos enquanto a JP Morgan Chase pagará a taxa LIBOR[1] anual para dólares. Desse modo, se a média da taxa LIBOR é mais que 2% a Goldman Sachs sairá na melhor, caso contrário sairá na pior.
Por fim, opções são o contrato mais complexo no mercado de derivativos. As mesmas usufruem de milhares de variedades de durações, preços, cotações, dentre outros. Nessas, o comprador do contrato paga um prêmio para ter a oportunidade de comprar ou vender um ativo subjacente por um preço pré-determinado e uma data especificada. O comprador escolhe ou não a exercer. Em contratos de opções é possível tomar qualquer uma de quatro posições: Long Call (LC), Long Put (LP), Short Call (SC), Short Put (SP).
Em uma LC a contraparte que toma essa posição está comprando uma opção de Call, ou seja, ele está pagando um prêmio em troca da oportunidade de comprar um ativo subjacente por um preço acordado na data acordada. Já na LP, a contraparte que toma essa posição está comprando uma opção de put, ou seja, está pagando um prêmio em troca da oportunidade de vender um ativo subjacente por um preço acordado em uma data acordada. Na SC, a contraparte está vendendo uma opção de call, ou seja, ele é a contraparte de quem toma a posição LC. Em um SP, a contraparte está vendendo uma opção de put, ou seja, ele é a contraparte de quem toma a posição LP. Em outras palavras a SC é uma possível venda obrigatória enquanto a SP é uma possível compra obrigatória. Ambas em troca do prêmio da opção e à mercê da outra contraparte do contrato.
Existe um exemplo claro de opções. Suponha que a companhia A, produtora de pães, quer mitigar seu risco gerado por variações no preço do trigo. Dessa maneira ela toma uma posição de LC, pagando o prêmio de opção, para comprar o trigo no valor que acha razoável com o Banco B. Dessa forma, se o preço do trigo subir, a companhia A não perde, pois fixou o preço do trigo. Agora, se o preço do trigo cair, a perda máxima possível é o prêmio de opção, que não é muito alto. O Banco B, por sua vez está apostando na subida do preço do trigo (o exemplo assume que o banco compra o trigo no momento em que a opção é feita), dessa maneira o banco lucra com o prêmio da opção além da subida no preço do trigo. A posição tomada pelo Banco B é SC. Ou seja, vendendo uma opção de compra.
É possível separar os operadores do mercado de derivativo em quatro tipos, que possuem objetivos diferentes, levando-os a se comportar de maneira diferente. Esses são: hedgers, que usam derivativos para mitigar riscos. Por exemplo, uma empresa de pães que quer mitigar risco da subida do preço do trigo. Especuladores, que usam derivativos para fazer apostas e lucrar. Por exemplo investidores e fundos de investimentos. Criadores de mercado, que são os que criam os derivativos e vendem ou que compram e revendem a um preço mais alto. Geralmente bancos de investimento. Arbitrageurs, que usam derivativos vendidos em diferentes exchanges e tentam achar diferenças de preços nas quais pode-se haver oportunidade para lucro. Esse último objetivo se torna cada vez mais difícil devido à eficiência dos mercados. Mesmo com esses diversos objetivos e agentes, a grande maioria de contratos derivativos não são executados. Ou seja, mesmo se a AA comprar um futuro de petróleo, é pouco provável que ela realmente tome devolução de barris de petróleo. Até por que a AA tem pouco o que fazer com o petróleo. O contrato é simplesmente para mitigar o risco da variação do combustível. O contrato futuro é um hedge para a operação da empresa.
Tendo vista, agora, o seu conhecimento recém adquirido, podemos analisar, de maneira superficial, a importância e o impacto de derivativos na sua vida. Podemos começar com uma olhada para a história. Os derivativos são mais conhecidos pela sua participação na Crise de 2008, na qual o mercado financeiro mundial entrou em colapso causando a falência de diversas instituições financeira além do desastre econômico. O que ocorreu nos anos anteriores a 2008 foi um aumento extremo no tamanho do mercado de derivativos mundial, em especial o americano devido à securitização. Esse aumento foi propagado por negligência dos banqueiros que permitiram que seu nível de alavancagem fosse muito mais alto do que seria razoável. Isso foi permitido pela falta de regulação, em grande parte devido à obscuridade do mercado de derivativos. Além desses problemas houve também decisões por partes dos bancos em relação a empréstimos de hipotecas que permitiram que hipotecas e empréstimos de mais alto risco (sub-prime) fossem concedidos com pouquíssimo discernimento. Essas condições permitiram que os bancos estivessem investidos nesses ativos com mais de 3000% de seu capital total de modo que uma queda de apenas 3% no seu valor seria o suficiente para pulverizar o seu market cap. Isso tudo culminou em 2008, quando a bolha do mercado de derivativos estourou. O gráfico abaixo é uma demonstração visual do crescimento acelerado desse mercado e sua queda rápida.
O mercado de derivativos estava em queda desde a crise de 2008. Isso foi devido à necessidade de desalavancagem dos bancos dentre outros motivos. No entanto, a eficiência do mercado tem aumentado cada vez mais. A variedade de derivativos nunca foi tão grande e as previsões da volta do crescimento são cada vez mais otimistas. Mesmo com a queda, o mercado de derivativos supera o de ações com uma proporção de mais de 500%, tendo vista que o valor dos ativos subjacentes são mais de US$ 500 trilhões de dólares. Dessa forma, para qualquer um que pretende ingressar em trabalhos no mercado financeiro ou que só deseja aprender mais sobre o assunto, tome esse artigo como alguma luz em um dos maiores e mais desconhecidos mercados de ativos financeiros no mundo hoje.
[1] London Inter-Bank Offered Rate. É a taxa de juros estimada pelos 5 maiores bancos de Londres para empréstimos entre bancos. É estimado que mais de US$ 350 trilhões de dólares em derivativos estejam relacionados com ela de alguma forma.
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