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O impacto dos Intangíveis no valor das empresas

Por Bernardo Soares e Gabriel Dalbone


O fenômeno da globalização originou uma maior integração e uma maior prosperidade das economias globais, impulsionando o desenvolvimento de novas tecnologias e promovendo a transição da Era Industrial para a Era Digital, em meados do século XX. Na segunda metade desse século, ocorreu um forte crescimento das empresas de tecnologia, o que fez com que suas ações se valorizassem substancialmente e, em consequência, seus valores de mercado se distanciaram ainda mais dos seus valores patrimoniais (book value). Segundo Baruch Lev, em sua pesquisa publicada em 2001, ocorreu uma forte elevação do índice market value / book value (P/VPA), em que o índice médio nas empresas que compõem o S&P 500 subiu de 1, no início de 1980, para 6, no final de 2001. Muitos autores acreditam que um dos principais motivos dessa discrepância se deve à existência de ativos intangíveis que não são contabilizados, porém geram valor aos seus acionistas e justificam múltiplos P/VPA mais altos. Nesse sentido, um dos objetivos desse artigo é promover uma reflexão acerca de como os intangíveis possivelmente impactam o valor das empresas.

Antes de mais nada, é essencial compreender a forma como os ativos intangíveis podem gerar valor para uma empresa. Para isso, podemos dividi-los em duas classes: os ativos que geram e os que não geram caixa. Uma franquia, por exemplo, permite ao seu dono cobrar o franqueado pelo uso de sua marca, criando um fluxo de caixa e gerando valor intrínseco para o ativo. Já uma licença ou um direito autoral não geram caixa em si, mas criam uma vantagem competitiva, um fosso econômico, para a empresa detentora, podendo melhorar o resultado ao tornar o ambiente menos competitivo. É justificável então afirmar que tanto os intangíveis que geram quanto os que não geram caixa atribuem valor adicional às empresas.

O renomado autor Aswath Damodaran, em sua pesquisa sobre o tema, ressalta a transformação de uma economia predominantemente manufatureira para uma baseada em serviços e tecnologia, enfatizando que uma proporção cada vez maior das empresas que avaliamos obtém seu valor de ativos intangíveis, desde patentes tecnológicas até capital humano. No entanto, Damodaran também ressalta a inconsistência da contabilidade frente aos investimentos feitos em ativos intangíveis, pois existe uma regra de divisão entre despesas operacionais e despesas de capital, em que as primeiras são as despesas que criam benefícios no ano corrente, sendo incorridas no dia-a-dia de uma empresa, como as despesas gerais, de vendas e administrativas (SG&A), enquanto que as segundas são despesas que criam benefícios de longo prazo para a empresa. Dessa maneira, contadores agrupam gastos com equipamentos, instalações, edifícios na coluna de despesas de capital. Todavia, Damodaran afirma que eles parecem ignorar esses princípios quando se tratam de ativos intangíveis. O gráfico abaixo ilustra a tendência sobre a qual Damodaran discorre, evidenciando o crescente protagonismo dos ativos intangíveis nas 500 maiores empresas estadunidenses.


Diversos autores, como Philip Fisher, em sua obra "Common Stocks and Uncommon Profits", apontam a importância dos gastos com pesquisa e desenvolvimento para um futuro crescimento das vendas e criação de novas linhas de produtos, que futuramente poderão gerar mais lucro para as empresas e, consequentemente, mais valor aos acionistas. Em controvérsia, despesas de pesquisa e desenvolvimento são lançadas na coluna de despesas operacionais, assim como diversos outros ativos intangíveis que podem gerar benefícios futuros para a empresa. Os contadores argumentam que os benefícios desses ativos são muito incertos e, assim, tratam as despesas como operacionais. Dessa maneira, empresas com ativos intangíveis relatam pequenos dispêndios de capital, tanto em relação ao seu tamanho quanto ao potencial de crescimento, e possuem mais dificuldade de pegar empréstimos com bancos, devido a uma maior incerteza acerca do potencial da empresa. Com isso, a categorização incorreta e suas consequências implicam em dificuldades para os investidores avaliarem empresas com uma grande quantidade de ativos intangíveis, subestimando suas capacidades de gerarem valor para a empresa.

Uma das maiores deficiências reconhecidas hoje em dia na contabilidade é justamente o tratamento dos ativos intangíveis. Uma vez que parte dos intangíveis são criados pela própria empresa, a falta de uma transação monetária (como ocorreria na compra de um software desenvolvido por terceiros) torna a mensuração do valor desses ativos 'invisíveis' difícil, mantendo-os fora do balanço da empresa. Dependendo do padrão de contabilidade adotado, a empresa simplesmente reconhece os custos envolvidos na geração desses ativos ao invés de capitalizá-los, mesmo se beneficiando de tais ativos por períodos mais prolongados. Isso pode deturpar o resultado da empresa, gerando lucros mais modestos no período em que esses custos são incorridos, mas inflando o resultado no futuro já que a empresa não reconhecerá a amortização dos ativos frutos destes gastos passados. Esse fenômeno acaba inflando outros indicadores, como o RoE ou RoIC, da empresa em questão.

Outro ponto importante para se atentar é na aquisição ou fusão de empresas. Nesse caso, ativos que tenham sido gerados internamente podem passar a ser reconhecidos no balanço da empresa no 'goodwill’ (o preço que foi pago pela empresa acima do que foi considerado o preço justo pelos ativos adquiridos). Isso requer cuidado na comparação de indicadores entre empresas que tenham crescido organicamente ou via aquisições. As primeiras podem ter muitos ativos invisíveis, enquanto as segundas geralmente terão menos, levando a indicadores menos inflados.

Em suma, é indubitável a dificuldade de encontrar um valor "justo" para os intangíveis e que essa classe de ativos pode gerar valor para a companhia tanto no curto prazo quanto no longo prazo, apesar de alguns ativos intangíveis não serem geradores de caixa. No entanto, o tratamento dado pela contabilidade a esses tipos de ativo impede uma valoração mais precisa de empresas que comportam em seus balanços uma grande proporção de intangíveis. Isso pode justificar o fato das empresas estarem sendo negociadas a múltiplos P/VPA mais elevados, principalmente aquelas dos setores de tecnologia e serviços. Uma possível solução seria simplesmente detalhar mais a fundo a existência e o investimento em tais ativos, propiciando uma precificação mais confiável. Até então, o que nos resta é reconhecer estas diferenças e ajustar nossa análise de acordo.


Bibliografia:


Perez, Marcelo; Famá, Rubens. Ativos intangíveis e o desempenho empresarial. Revista Contabilidade & Finanças, São Paulo, vol. 17, n. 40, 2006. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-707720060001000>


Lev, Baruch. INTANGIBLES: MANAGEMENT, MEASUREMENT AND REPORTING, Bookings Institution Press, 2001. Disponível em:


Schiavo, Fabienne. Avaliação de empresas por fluxo de caixa descontado: o impacto dos ativos intangíveis no valor da empresa, 2008. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/3540/EBAPE_dissertacao_FABIENNESCHIAVO_2008_2.pdf?sequence=4&isAllowed=y>

Schiavo, Fabienne. O impacto dos ativos intangíveis no valor da empresa. Revista Inteligência Empresarial, 2020. Disponível em:


Damodaran, Aswath. Valuing Companies with intangible assets, 2009. Disponível em: <http://people.stern.nyu.edu/adamodar/pdfiles/papers/intangibles.pdf>


Intangible asset accounting and the ‘value’ false negative. The Footnotes Analyst. Disponível em: <https://www.footnotesanalyst.com/intangible-asset-accounting-and-the-value-false-negative/>


Should you Ignore Intangible Amortization? - AstraZeneca. The Footnotes Analyst. Disponível em: <https://www.footnotesanalyst.com/should-you-ignore-intangible-amortisation/>


Damodaran, Aswath. Investment Valuation. 2nd Edition. Wiley, 2002.


Referência do Gráfico:


Referência da Foto de Capa:


















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